Como construir um ritual de prosperidade
Hoje nós vamos falar de uma parte importante do trabalho mágico, que é aquilo que os gringos chamam de spellcrafting, a construção do feitiço, o trabalho de elaborar o roteiro de um ritual, entender os elementos envolvidos e como eles podem ser explorados da melhor forma e em quais etapas. Esse assunto é complicado, porque o que vai entrar nos rituais de cada um, é óbvio, depende do sistema ao qual você adere… além do quê, todo mundo sempre vai ter aqueles detalhezinhos únicos que pertencem ao seu estilo pessoal (tipo a mão do cozinheiro). Porém, ainda que eu não possa falar em uma lógica universal, sempre há tendências que são recorrentes o bastante para podermos dar umas dicas em linhas gerais. Para não deixar tudo tão abstrato, vamos nos concentrar num exemplo que é aquilo que todo mundo acaba querendo uma hora ou outra — magia de prosperidade.
Anteriormente, eu descrevi os componentes básicos de um ato mágico como sendo três: a intenção, o sistema e o poder espiritual de cada um. Certo, então, vamos supor que você esteja estudando um sistema há um tempo e malhando seus músculos espirituais. Agora você quer fazer alguma coisa com isso. Como procede? É como se você tivesse as peças de uma máquina, o que já é metade do caminho andado, mas falta ainda montá-las para que funcione. E é isso que vamos ver neste texto. Eu não vou repassar um ritual pronto, claro, mas quem tiver um mínimo de autonomia vai conseguir usar essas diretrizes para construir um ritual próprio.
Yantra de invocação de Ganesha, século 19.
1º passo: refinar a intenção
Um axioma útil é o de que desejos vagos trazem resultados vagos. Se você fala apenas em prosperidade, estamos ainda no terreno de um desejo muito inespecífico. O que é prosperidade? É ter o carro do ano? A geladeira cheia? Viajar muito? O que é prosperidade para mim não vai ser o que é para o Jeff Bezos, por exemplo, nem o que é para o arcanjo Tzadkiel, da esfera planetária de Júpiter, por isso é importante ser preciso.
Se você quer comprar um carro, você pode concentrar seus esforços esotéricos em receber mais ou menos o dinheiro o suficiente para isso e depois em magia para conseguir encontrar o modelo que você quer o mais barato possível. Aí então, se você precisa ganhar dinheiro, primeiro tem que ver por onde o dinheiro vai entrar. Se você tem um emprego fixo, seu foco vai ser em ganhar um aumento, se possível, ou trocar de emprego. Se você é profissional liberal ou tem sua própria empresa, sua ênfase será em atrair mais clientes e conseguir fechar bons negócios, e por aí vai. Magia para ganhar em jogos de azar ou na loteria também pode ser interessante, até certo ponto (mais sobre o assunto na sequência), e o Hoodoo tem muitas receitas para isso, mas não é uma fonte de renda na qual você queira se fiar (a não ser que você seja, tipo, jogador de Poker profissional).
Pense de forma estratégica e veja a magia não como uma tábua de salvação, mas como um instrumento que pode ajudar a dar um empurrãozinho extra nos seus planos. Ainda nesta etapa de elaboração do ritual, é importante determinar quando você quer que as coisas aconteçam. Sem isso, você fica sem ter como julgar se um ritual foi bem-sucedido ou não: se eu faço um ritual para arranjar um emprego e esse emprego aparece só um ano depois, é complicado atribuir ao ritual esse sucesso. Se limitamos a uma semana ou a um mês, aí já fica mais manejável. Se não der certo, você não vai ficar esperando e vai saber que, pois é, realmente não foi desta vez, o que permite começar o processo de resolução de problemas para entender o que deu errado.
2º passo: classificar a intenção
Depois de refletir melhor sobre qual é o resultado que você quer materializar exatamente, é preciso entender a natureza desse resultado, pois isso vai determinar as ferramentas necessárias e evitar que você tente matar mosquito com tiro de bazuca. Por isso, eu pensei numa tipologia com três eixos.
A primeira coisa a pensar quanto à sua intenção é o nível de impacto que ela terá em sua vida se for concretizada. Alguns resultados são de alto impacto: se você está desempregado e arranja um emprego, tudo na sua vida vai mudar. Você vai ter uma nova rotina, uma nova renda, novos círculos sociais. Dependendo do trabalho, talvez você precise mudar de bairro uma hora ou até de cidade. Se você fizer magia para isso, precisar estar preparado para esse tipo de coisa.
Em contraste, um feitiço simples para, por exemplo, acelerar a fila ao ir no banco seria um efeito de baixo impacto. Não altera nada na sua rotina, você está apenas resolvendo uma inconveniência. E entre o alto e o baixo impacto, temos médios impactos, como, por exemplo, magia para receber dinheiro que alguém te deve, mas que não é uma grande quantia —vai ajudar, claro, dinheiro sempre ajuda, mas não é algo que exija grandes rituais complicados. E assim por diante.
O segundo eixo é o da probabilidade. Via de regra, quanto mais você for na contramão da realidade, menos provável vai ser manifestar o resultado desejado e mais força bruta vai precisar. Manipular sensações e impressões é o mais fácil (daí o sucesso dos feitiços de adoçamento que tem por aí), e muita coisa pode mudar só de você conseguir pegar seu chefe num dia em que ele está de bom humor. Agora obter efeitos diretamente no plano material é sempre o mais difícil, as leis da física mecânica são meio chatas de contornar —não que seja 100% impossível, mas não é o normal e só alguém realmente muito santo vai ser capaz de chegar a esse grau de poder milagroso.
É, assim vai pelos ares também o plano do ritual para materializar barras de ouro.
Eventos que reconhecidamente têm baixíssimas chances de acontecer são o motivo de muita frustração para magistas iniciantes. O exemplo clássico é o desejo de ganhar na Mega-Sena. Com uma chance de 1 em 50.000.000, mesmo que você seja bom o suficiente para dobrar as suas chances —o que normalmente transformaria qualquer coisa que tivesse 50% de chance em 100%, um sucesso considerável — , isso te dá… 1 chance em 25.000.000.
A loteria, no entanto, é um caso extremo. Normalmente, mesmo um evento que pareça improvável a princípio pode se tornar provável se os empecilhos forem sendo resolvidos aos poucos, dividindo-se um problema grande em problemas menores e mais manejáveis.
O último eixo é o do prazo. Alguns trabalhos exigem uma resposta mais ou menos imediata e, nisso, eu volto ao exemplo do feitiço para acelerar a fila ou então manifestar dinheiro rápido e pagar as contas de uma emergência: nesse caso, não adianta nada se você conseguir manifestar seu resultado só daqui a duas semanas… até lá a necessidade já passou e o feitiço acabou sendo inútil.
Agora, se você é freelancer ou tem o seu próprio negócio, o mais interessante vai ser não manifestar resultados individuais imediatos, mas ter algo sempre ativo que atraia clientes de maneira contínua e automática. Nesse caso, o trabalho vai ser menos o de repetição constante de um mesmo ritual e mais o de manutenção de o que quer que seja que esteja ativo. Porém, se você está fazendo magia para arranjar emprego ou mudar de casa, você vai querer que ela fique ativa apenas durante um período limitado de tempo durante o qual você está fazendo a sua busca. Criar um talismã permanente para isso, por exemplo, seria indesejável, a não ser que você quisesse se mudar todo mês.
Nada do que eu estou dizendo até agora é novidade, acredito, mas ajuda passar tudo isso a limpo. Se você é uma pessoa metódica, repassar tudo isso mentalmente ou por escrito é um passo importante para planejar suas magias.
Por fim, é bom lembrar que esses três eixos são independentes entre si. Como se pode ver, um efeito de alto impacto, como arranjar um emprego, não necessariamente é improvável, nem exige um efeito mágico de longo prazo. E inconveniências podem ser resolvidas com efeitos de curto prazo, mas, se você se vê constantemente tendo que lidar com um mesmo probleminha chato, vale a pena investir numa solução mais permanente. E por aí vai.
Essa é uma lição importante de se aprender para poder dosar os trabalhos e diversificar seu repertório, idealmente tendo rituais a mão para lidar com todos os níveis de problemas. Um sigilo pode não dar conta de resolver uma questão mais séria, mas também não vale a pena fazer uma conjuração poderosíssima de duas horas de magia cerimonial para uma inconveniência.
3º passo: decidir quais serão as forças envolvidas
Por mais que você possa ser forte, não dá para fazer tudo sozinho. Ou, digo, até dá — é possível fazer muita coisa usando apenas a sua própria energia, como vimos no meu texto sobre formas-pensamento. Mas é mais eficaz se você puder contar com uma ajudinha de outras forças do universo.
Como dito no meu texto sobre escolher um sistema, existem, pela minha categorização, quatro tipos de sistemas mágicos, de modo que cada tradição se concentra em dominar o uso das energias sutis diretamente (psicoenergético) ou das virtudes de plantas e outros materiais (magia natural), bem como explorar a aliança com divindades (magia divina) e espíritos (evocativa). Como as forças envolvidas variam, cada sistema tem um vocabulário próprio, todo um repertório de símbolos, e convém ao magista ver como as suas necessidades encapsuladas pela sua intenção se encaixam dentro desse repertório. Ainda dentro do âmbito de magia de prosperidade, eu vou dar alguns exemplos que não apenas ilustram a questão como podem ser úteis na prática.
Pensemos a princípio na magia elemental. Os quatro elementos clássicos são uma presença em inúmeras tradições de magia, desde a Antiguidade (tem uma menção na Liturgia de Mitras, nos PGM, por exemplo) às obras de Paracelso e Agrippa, o sistema da Golden Dawn, de Bardon, da Wicca e tantos outros. Em todos os casos, o elemento mais associado à prosperidade é a terra, que é o elemento mais denso e representa a materialização das coisas, posses, segurança material, etc. Para trabalhar com magia de terra, você pode estabelecer uma relação com os seus seres elementais, os gnomos, ou ir falar com seu gerente, o rei dos gnomos Ghob, por exemplo, ou ainda lidar com essa energia diretamente com as técnicas do Bardon, chamar o arcanjo do elemento terra, Uriel, ou usar ferramentas como o pentáculo ou um cristal ou ervas terrosos. Aliás, falando em cristais, pedras que são muito associadas à prosperidade incluem o citrino, a pirita, a granada e o rubi; quanto às ervas e outros componentes vegetais, alecrim, canela, louro e noz-moscada são também muito populares em tradições de folk magic.
Magia elemental ligada ao ar é uma outra possibilidade, além da terra — a lógica sendo a de que, no mundo moderno e não feudal, o fluxo de capital é mais intangível e dependente da comunicação e seus sistemas do que das propriedades fixas ligadas à terra. Nesse caso, mudam-se as correspondências — a ferramenta vai ser a adaga (Golden Dawn) ou varinha (Wicca), o arcanjo Rafael, e os espíritos os silfos, comandados por Paralda.
Dentro da magia astrológica, a opção mais óbvia é Júpiter, associado ao crescimento, à expansão, à boa sorte e favores de poderosos.
Ilustração medieval de Júpiter, representado como um rei generoso, que parece estar dando dinheiro para um vassalo, num carro puxado por duas águias, seu símbolo. Nas rodas, os símbolos de Sagitário e Peixes, signos regidos por Júpiter.
Vale lembrar que, de novo, magia planetária NÃO é a mesma coisa que magia com esses deuses que levam o nome dos planetas, apesar das interseções entre as duas coisas. Outra possibilidade é o Sol, cujo metal é o ouro e sua simbologia cobre tudo que diz respeito ao reinado e soberania. Nesses casos, você pode conjurar Tzadkiel (ou Sachiel), o arcanjo de Júpiter, ou Miguel, do Sol1, ou ainda o espírito olimpiano solar Och, registrado no grimório Arbatel, cujos poderes incluem “transformar tudo em ouro”. Dá ainda para criar talismãs via magia imagética2 ou utilizar um ritual como o Ritual Maior de Invocação do Hexagrama para se sintonizar na energia de um dado planeta e concentrá-la manualmente, e por aí vai. Mercúrio, que rege a comunicação e os negócios, é outra boa pedida (mas cuidado, pois ele fica retrógrado três vezes por ano), e Vênus pode ajudar com a parte social, de networking e com todo mundo cujo trabalho é criativo.
Outros arcanjos ligados à magia astrológica a quem se pode recorrer para magia de prosperidade incluem Asmodel, Verachiel, Hamaliel, Advachiel e Hanael, os arcanjos de Touro, Leão, Virgem, Sagitário e Capricórnio. Asmodel está ligado ao princípio de terra, Verachiel rege todo tipo de sucesso, Hamaliel está ligado a planos de prosperidade, Advachiel complementa magia jupiteriana e Hanael governa carreiras. Mais sobre esses anjos e como trabalhar com eles (de maneira acessível ao iniciante) pode-se ler em Angels and Archangels, de Damien Echols. Outra possibilidade ainda é trabalhar com os 72 anjos cabalísticos, dentre os quais o 57º anjo, Nemamiah, trata de questões de prosperidade.
Ainda dentro do âmbito da magia astrológica, para além de planetas e signos do zodíaco, existe também magia com as mansões da Lua, as 28 divisões do ciclo lunar mensal que observamos na astrologia árabe medieval (e que são 27 na astrologia indiana). O Guilherme de Carli, do Nodo Norte Astrologia, preparou um belíssimo material que serve de introdução sobre o assunto (link aqui). Dentre as 28 mansões, existe uma, localizada na faixa entre 17 graus de 8 minutos de Gêmeos e 0º de Câncer, chamada Al-Dirah, que é especialmente auspiciosa para ganhos financeiros e magia de prosperidade. Seu espírito se chama Scheliel e pode ser conjurado quando a Lua se encontra nessa faixa da eclíptica, de preferência no ascendente ou meio do céu. E tem também magia com estrelas fixas – talismãs de Spica, a espiga, uma estrela da constelação de Virgem, mas atualmente situada em Libra, e Deneb Algedi, a cauda de Capricórnio, são especialmente úteis para ganhos financeiros. Para quem tem interesse nesses assuntos, Christopher Warnock tem dois livrinhos sobre magia com as mansões e estrelas fixas, respectivamente, Mansions of the Moon: A Lunar Zodiac for Astrology and Magic e Fixed Star, Sign and Constellation Magic, que eu recomendo demais. Eu pretendo em algum momento tratar dessas questões em meu curso de magia astrológica.
No tocante ao uso mágico dos oráculos, o tarô oferece diversas opções também. Entre os arcanos maiores, eu incluiria a Imperatriz, fértil e luxuosa; o Louco, útil para começar coisas; o Sol, por conta de sua simbologia de sucesso (de que o Carro também partilha); ou a Roda da Fortuna, para quando você precisa de sorte. Entre os arcanos menores, o naipe de ouros (equivalente ao elemento terra) é o mais útil, sobretudo o ás (puro potencial, começos), o 3 (networking), o 7 (colher frutos), o 9 e 10 (sucesso e estabilidade) e o cavaleiro (acelera a manifestação da prosperidade). O 6 de paus e o 9 de copas também apontam para sucesso e satisfação. De novo, se você tem interesse em magia angelical, há uma tradição de associar os anjos do Shem HaMephorash aos arcanos menores. Em outros sistemas divinatórios, temos a runa Fehu, cujo nome significa “gado”, que simbolizava riqueza para os antigos nórdicos; e, na geomancia, as figuras, muitíssimo auspiciosas de Júpiter e do Sol, Acquisitio (literalmente “ganho”) e Fortuna Major.
Por fim, alguns deuses, santos e espíritos: no Oriente temos Lakshmi, na tradição hindu,, a própria personificação da prosperidade, com frequência representada com um vaso do qual jorram moedas de ouro, e o simpático Ganesha, que abre os caminhos e remove obstáculos. O ritual de propiciar a essas divindades com preces, mantras, visualizações e oferendas é chamada de pūjā (do sânscrito para oferenda). Vocês podem conferir uma dica de uma pūjā simples a Ganesha neste link aqui (obrigado ao Pedro Maia pela dica!). Para os praticantes do budismo Vajrayana, há uma versão budista de Ganesha chamada de Ganapati, entendido como uma divindade iluminada (em oposição às divindades mundanas) e um bodhisattva. Ele é associado a Dzambala ou Jambhala, a divindade da riqueza.
Entre os gregos, vale mencionar Hermes, o deus dos comerciantes, e Pluto, um deus agrícola que se tornou a própria personificação grega da riqueza, que é o significado de seu nome — também presente num dos epítetos do pai dos deuses, Zeus Plousios, que, por isso, também é outra boa pedida para magia desse tipo3. Na magia popular cristã, há muitas simpatias nesse sentido com São João Batista e Santo Antônio. Entre espíritos de outros tipos, temos o demônio Bune da Goetia, mas eu não recomendo que iniciantes brinquem com esse tipo de coisa (até para quem é experiente, isso é perigoso). Dentre os espíritos da Prática de Evocação Mágica de Bardon, tem, pelo menos, três da Zona em Torno da Terra, que são úteis nesse sentido: Jromoni, que traz dinheiro rápido, Abbetira, que dá fama, riqueza, poder e favores de gente importante, e Capipa, que ajuda o conjurador a arranjar dinheiro, de modo que “não atrapalhe seu desenvolvimento espiritual”.
Escolher bem as forças a serem utilizadas é crucial para o bom sucesso da magia. Você não vai fazer um trabalho desses com um planeta como Saturno, ligado a limites, pobreza e restrições —a não ser que seja para liberar a aposentadoria, já que Saturno também governa a velhice. Pela mesma lógica, é meio complicado usar um arcano do Tarô como 5 de ouros (pobreza) ou Amissio (perda) na geomancia… a não ser, nesse caso, que seja no sentido de expulsar a pobreza. As forças convocadas podem também ser combinadas. Um arcano do tarô pode ser utilizado dentro de um trabalho maior com o seu elemento ou correspondência astrológica, como com o Sol, e um trabalho solar pode empregar ainda cristais e ervas, que têm também suas correspondências astrológicas (a canela e o rubi são tradicionalmente solares, por exemplo). Só tome muito cuidado para não misturar coisas díspares — é provável que Santo Antônio e Ganesha não se deem muito bem, afinal os santos foram seres humanos e é preciso respeitar a religião que eles praticaram em vida e à qual pertencem.
4º passo: saber acessar essas forças
“OK, beleza, eu vou trabalhar com esse cristal aqui. Que que eu faço com ele agora? Como com angu? Enfio na bunda?”
Calma! Por favor, não enfie cristais na bunda. Sério4.
Agora que você escolheu quais são as forças que estarão envolvidas no ritual, é preciso determinar como elas serão acessadas. De novo, há inúmeras formas de se fazer isso. Primeiro, é bom decidir se o trabalho será de curto, médio ou longo prazo. Para trabalhos de curto prazo, você pode apenas se concentrar em acumular energia e direcioná-la para onde quer que as coisas aconteçam, seja de fato pegando essa energia com as mãos, fazendo um pedido aos espíritos ou uma prece aos deuses, lançando um sigilo, queimando uma folha de louro na qual a sua petição foi escrita ou tomando um banho especialmente preparado. Agora, se você quer que o efeito fique ativo por mais tempo, vale a pena investir em talismãs mais permanentes, que nada mais são que objetos encantados ritualmente para servir como uma âncora para as energias invocadas, ou então como um portal, através do qual essas forças irão agir —um elo entre o mundo invisível e o mundo material, importante quando queremos manifestar resultados neste plano. Bons talismãs incluem os clássicos como joias, anéis, pingentes e pantáculos, mas qualquer objeto potencialmente pode ser talismanizado. Vidrarias como spirit vessels e spirit pots, garrafas preparadas de forma especial para servirem de “casa” para um espírito, ou saquinhos como mojo bags e patuás, contendo pedras, ervas e outros objetos, são também itens poderosos, mas que, na maioria dos casos, exigem manutenção.
Por fim, para trabalhos de médio prazo, talismãs menos duráveis, feitos em papel ou argila, são uma boa opção, e às vezes mesmo em trabalhos de curto prazo eu gosto de guardar alguma coisa do ritual depois, como se fosse um recibo, que eu queimo mais tarde, num ritual de agradecimento, quando o desejo se concretiza. Assim, uma forma de acessar as energias dos símbolos que você quer utilizar pode ser já o mero ato de desenhá-los no talismã. Afinal, a magia astrológica imagética funciona nessas linhas: você espera o momento certo em que tal planeta está em tal posição e grava uma determinada imagem ou a desenha num papel, segundo as indicações que constam no Picatrix, em Agrippa e em Ficino. Mas dá para fazer mais coisas — no caso dos pantáculos da Chave de Salomão, por exemplo, você não apenas deve criá-los no momento certo como ainda consagrá-los incensando-os e recitando salmos, um método que também é usado por Christopher Warnock em seu livro sobre magia planetária (apenas trocando os salmos pelos hinos órficos). A lógica é a de que você prepara o objeto para receber essas forças com os símbolos marcados nele, que geram essa conexão, e então fecha o negócio com elementos gestuais e verbais.
No caso da maioria dos deuses e santos, há hinos, mantras e preces que são tradicionalmente atribuídos a eles. Pense, por exemplo, na oração de São Francisco de Assis, nos mantras dos divindades hindus, como Om Shrim Maha Lakshmiyei Namaha, de Lakshmi, ou Om Gam Ganapataye Namaha, para Ganesha (Om Ah Ga Hum Soha, na forma budista), nos hinos órficos aos deuses gregos ou nos pontos de macumba. Assim, é fácil acessar essas energias, porém, na maioria dos casos, há um trabalho devocional mais sério que se faz necessário se você quiser direcioná-la para usos práticos mais substanciais. E, se você não tem problemas em magia com a Bíblia, pode-se ainda direcionar a energia divina para questões de prosperidade com os salmos 8, 23, 108 e 114. E existe ainda uma técnica mântrica de prosperidade do budismo Vajrayana que pode ser traduzida como “Grande Joia do Crescimento”. O Lama Zopa Rinpoche a traduz para o inglês neste link aqui.
Para o trabalho com os elementos, há algumas opções: na magia da Golden Dawn, certos sinais usando o corpo todo estão ligados aos elementos, além dos pentagramas, cuja orientação na forma como são traçados determina sua afinidade elemental, e os nomes divinos do hebraico. Sorita D’este e David Rankine também têm um ritual próprio de sintonização elemental que eles ensinam em Magia Elemental na Prática. E, no clássico Dogma e Ritual da Alta Magia, Eliphas Lévi ensina também as orações das salamandras, silfos, ondinas e gnomos, que podem ser incorporadas em rituais dos elementos.
Agora, indo para o Oriente, no hinduísmo e no budismo Vajrayana, vibra-se o bīja ou “sílaba semente”, que as pessoas costumam associar aos chakras… acontece, porém, que, segundo Christopher Wallis (um pesquisador de estudos religiosos, Yoga e religião indiana, iniciado na tradição do xivaísmo tântrico), eles são, na verdade mantras elementais, tendo sido associados aos chakras por conta de afinidades elementais tradicionais nas práticas de nyāsa (a provável inspiração oriental para o ritual do Pilar Médio, para explicar de forma sucinta): LAM sendo o bīja da terra, VAM da água, YAM do ar, RAM do fogo e HAM do éter.
Um disco jupiteriano, criado pelo druida que atende pelo nome Skyllaros (link do seu blog aqui). Nele constam: o sigilo de The Sorcerer’s Secrets, do Jason Miller, o kamea de Júpiter, seu sigilo e o de sua inteligência e espírito, Iofiel e Hismael, o sigilo do espírito olimpiano de Júpiter, Bethor, e vários caracteres jupiterianos que constam em Agrippa. Quatro cristais estão colados nele, duas ametistas e duas lápis-lazúlis.
Para os planetas, temos muitas opções. Eu conheço pelo menos três rituais prontos para isso: o Maior do Hexagrama da Golden Dawn; o Heptagrama da Sorita D’este e David Rankine, explicado em Magia Planetária na Prática (e num post em seu blog); e o da Ordem da Aurum Solis, explicado em Planetary Magick: The Heart of Western Magick, de Melita Denning e Osborne Philip. No sistema da Golden Dawn, cada planeta tem uma associação a uma sefirah que corresponde um nome divino hebraico que pode ser usado para invocar suas forças (EL é o nome divino de Júpiter, YHWH ELOAH VE-DAATH, o do Sol). Um método semelhante é usado pelos outros sistemas de magia cerimonial contemporâneos. Também é possível recorrer às sete vogais gregas clássicas (de que eu já falei no meu texto sobre meu banimento, U sendo a vogal jupiteriana e I a do Sol), aos hinos órficos e às correspondências dos planetas, e toda uma rica tradição de invocações de grimórios. Tem uma infinidade de material que dá para usar nesse sentido. Para quem tem interesse sobre o assunto, eu mesmo tenho ministrado há algum tempo um curso de magia astrológica e estou montando um e-book sobre o assunto.
Para encerrar, vale enfatizar que não importa qual for a força que você quer utilizar, o importante é sempre fazer um trabalho aprofundado de pesquisa antes e, claro, ter respeito por essas forças. Tratá-las levianamente é brincar com fogo.
5º passo: a estrutura do ritual
Esta parte agora é simples, pois a fórmula já vem praticamente pronta – ou pronta de fato se você trabalha com um roteiro como o da Golden Dawn. Eu gosto de aplicar uma estrutura de cinco etapas, que ascende rumo a um clímax e depois vai acalmando.
A primeira é a abertura. Nesse momento você vai limpar o espaço fisicamente, varrer o chão, tomar um banho, se vestir, montar o altar. Se quiser, defume o espaço e/ou faça uma aspersão com água e então comece com um breve ritual preliminar, como descrito no texto anterior. Na sequência, passamos para as invocações. É aqui que as forças que mencionamos anteriormente são chamadas, quando recitamos as preces, cantamos os hinos e fazemos rituais como o do Hexagrama.
Feita essa conexão, vem a parte mais específica do ritual, em que deixamos clara a nossa intenção e prosseguimos com o clímax. Aqui entram as repetições dos mantras e rezas, as projeções de energia, os atos de magia simpática ou o transe para a comunicação com os espíritos . Toda a energia aqui é concentrada e direcionada com força para o que você quer, por isso é a parte mais intensa do ritual.
Logo depois, temos uma fase de calmaria. Passado esse momento mais intenso, podemos tirar um minuto para respirar, meditar, fazer uma sessão oracular, se quiser, e concluir o ritual. Ao construir talismãs de papel, eu gosto de fechá-los pingando gotas de cera da vela, o que serve para “fechar o negócio”.
Por fim, partimos para o encerramento. É bom reservar algumas palavras finais para encerrar o ritual, se despedir de quem quer que tenha sido chamado, agradecer, dar a licença para partir e o que mais for. É agora também que fazemos os banimentos e tudo o mais… e não esqueça que, tudo que você abriu, é importante fechar depois. Só tome cuidado ao usar o Ritual do Pentagrama se estiver energizando talismãs, porque é conhecido que esse ritual costuma descarregar o talismã se ele estiver desprotegido no altar (é preciso embrulhá-lo em seda para evitar isso ou usar só a Cruz Cabalística como encerramento, em vez do Ritual todo), o que seria muito frustrante. E é isso.
Aqui estamos concentrando nossas atenções no tema prosperidade, mas essa estrutura vale para basicamente qualquer coisa. Mesmo ao preparar um banho de ervas, por exemplo, você se beneficiaria em limpar a cozinha energeticamente antes, fazer uma invocação e rezar sobre o banho enquanto ele ferve.
6º passo: os preparativos
Agora que você já sabe quem você vai chamar e como, é só escolher o momento mais favorável. É claro que, para magias de curtíssimo prazo, talvez isso não seja possível —se eu quero que um dinheiro caia para ontem, ter que esperar um mês para o timing perfeito não dá, né.
No caso de magia astrológica, você vai ter que escolher o que chamamos de uma boa eleição. Para magia de Júpiter, o dia exato é quinta-feira, de preferência na hora de Júpiter (sempre a primeira hora ao nascer do sol é a hora do planeta do dia, mas tem outras opções que você pode conferir se consultar num aplicativo disso ou calcular manualmente)… e o melhor é que Júpiter não esteja nem combusto (a 8,5º do Sol), nem fazendo certos aspectos com planetas “maléficos” como Marte e Saturno e idealmente não esteja nos signos que o enfraquecem. Também é interessante observar a fase da Lua: via de regra, Lua crescente serve para atrair coisas, minguante para afastar, e Lua cheia para dar uma energia extra em qualquer coisa (é o melhor momento para conjurações completas). O signo em que a Lua está também é relevante e é bom evitar Luas fora de curso, mas é claro que, quanto mais detalhes você incluir, buscando o momento ideal, mais você vai ter que esperar… por isso esse tipo de ritual é melhor reservado para a criação de talismãs permanentes ou para resolver questões importantes.
“Frater, mas pode fazer magia de prosperidade na minguante?”
Não é o ideal, porém, no caso do dinheiro que precisa cair para ontem, não tem muito como evitar… (e eu mesmo já fiz e deu certo, então fica o registro). Como a minguante tem a ver com reduzir e afastar coisas, você pode se concentrar em reduzir e afastar os obstáculos que impeçam a sua prosperidade, por exemplo. Essa é a lógica.
Enfim, com a data e horário definidos, você só precisa ver bem certinho o que vai precisar para o ritual: confira seus estoques de vela, incenso, pedras, ervas, e imprima o que tiver que imprimir de antemão. Organize-se para não deixar nada de última hora. Se você estiver trabalhando com Júpiter, você vai querer usar velas e outras coisas azuis, laranja se o trabalho for para Mercúrio ou amarelo/dourado se para o Sol —o dourado é uma cor muito usada para magia de prosperidade também, por suas associações óbvias com o ouro, mas o verde, no Hoodoo, por ser a cor do dólar, das “verdinhas”, também aparece.
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Agora que você sabe o que você quer fazer e como, já tem o roteiro do ritual pronto e juntou todos os materiais, é só chegar a hora e partir pro abraço. Com essas instruções, acredito que qualquer um pode chegar a um ritual próprio, utilizando os símbolos e técnicas com os quais estiver mais confortável.
E isso conclui a nossa introdução ao spellcrafting. Para encerrar, vale a pena reiterar duas coisas: a primeira é que, apesar de eu ter falado aqui de prosperidade, essas dicas se aplicam para qualquer intenção. Se você quer fazer magia para o amor ou para a saúde, você também vai começar refinando sua intenção e procurando as forças a serem invocadas mais adequadas para o seu trabalho, e por aí vai. Depois, vem o fato de que os esforços mágicos devem ser acompanhados por esforços mundanos, inclusive mudanças de hábito. Este texto foi publicado originalmente no dia 5 de outubro. Na segunda parte dele, “Complementando sua magia de prosperidade“, publicada na semana seguinte, nós vemos essas questões específicas mais a fundo.
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- Nas tradições em que Miguel rege o Sol, Mercúrio é domínio de Rafael, mas há tradições que invertem os dois. Isso não é um problema. ↩︎
- A magia imagética é um tipo de prática em que você desenha uma imagem numa folha de papel (ou grava em pedra ou metal, mas, né, nesse caso é mais trabalhoso) numa hora astrologicamente relevante para o que você quer fazer. Você pode ler sobre isso no blog do Christopher Warnock ou no seu livro, Secrets of Planetary Magick, ou ainda no clássico livro 3 de De Vita, de Ficino. ↩︎
- Por uma questão de reconhecimento, é importante eu mencionar que, nas religiões de matriz africana do Brasil, há alguns Orixás invocados para trabalhos de prosperidade. Dos que eu sei, temos Oxum, ligada ao ouro, e Ogum, que abre os caminhos (de novo, recomendo muito o especial do Benzina sobre Ogum, para quem curte podcasts). No entanto, eu enfatizo que este não é o meu rolê, o que eu sei é superficial e justamente por uma questão de respeito eu não incluí os Orixás no corpo do texto. O tipo de ritual que eu estou ensinando a fazer pode não ser compatível com o modo correto e tradicional de se trabalhar com essas entidades e eu já enfatizei várias vezes que ninguém deve recorrer aos Orixás sem orientações de um pai de santo. Em resumo, quem é de terreiro sabe como proceder; quem não é, paciência, pois não é comigo que você vai aprender. ↩︎
- Claro, eu não vou impedir ninguém de fazer isso, não sou sua mãe, mas, se você ler o que eu escrevi sobre cristais, você vai perceber que inserir uma pedra braba como uma ametista ou obsidiana energeticamente suja logo ali, tão perto de chakras importantes como o básico, sexual, períneo e a kundalini, não é a ideia mais produtiva. ↩︎