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O que é magia astrológica?

O que é magia astrológica?

Leitura em 14 min
Fonte: O Zigurate

Como venho anunciando, em outubro eu pretendo ministrar um breve curso sobre magia astrológica. Por isso, nada mais adequado do que reservarmos algumas palavrinhas sobre o assunto, até porque tem algumas dúvidas que é bom esclarecer antes mesmo de se inscrever no curso (afinal, quanto menos eu precisar falar de coisas mais básicas no curso, mais tempo teremos para coisas mais divertidas).

O que eu chamo de magia astrológica, em termos acadêmicos, pesquisadores (como Erica Reiner, autora de Astral Magic in Babylonia) chamam de “magia astral”, porque recorre ao poder dos astros. No entanto, “astral” no jargão esotérico costuma se referir ao plano astral, a dimensão da existência onde habitam certos espíritos e onde se formam os sonhos e as emoções. Um outro termo muito comum é “magia planetária”, porque costuma se valer dos 7 planetas[1] clássicos e todas as forças, deuses, anjos e energias, ligadas a eles. No entanto, esse termo deixa de fora a magia das constelações e das estrelas fixas, que também representa um corpus importante de práticas mágicas. Por esses motivos, eu prefiro usar o termo magia astrológica, portanto, que acho que é claro o suficiente.

Agora, magia astrológica não é o mesmo que a astrologia em si. É importante frisar isso para evitar confusão. Outro dia, por exemplo, eu mencionei que uma certa posição de um astro era boa para certas práticas mágicas, e algumas pessoas me perguntaram o que isso significava para quem tinha essa posição no mapa astral. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O que acontece com a magia astrológica é que ela depende do timing dos planetas (para isso eu recomendo demais olhar um site como o astro.com ou o astrotheme), em que signo eles estão, se estão retrógrados, fazendo aspectos com outros, etc. No entanto, mesmo um planeta que esteja passando por um trânsito considerado ruim no geral (como a Lua em conjunção com a estrela fixa Algol) pode ter aplicações mágicas úteis. A questão é que astrologia é uma forma de compreender o universo — uma forma holística, segundo a qual tudo está unificado, como se observa na máxima hermética de que “o que está acima é como o que está abaixo”. Daí que um de seus usos seja oracular: observando os padrões no céu, pode-se entender padrões na terra também, tanto em larga escala, pensando nas tendências maiores que afetam nações e o mundo inteiro, quanto no nível do indivíduo. A magia astrológica é uma aplicação específica da astrologia e, na medida em que temos fórmulas mesopotâmicas do segundo milênio sobreviventes, em tabuletas de argila, de rituais que utilizam os poderes dos planetas e das estrelas, ela é, na verdade, mais antiga até mesmo do que a astrologia como a conhecemos, que se estabelece por volta do período helenístico[2].

Por exemplo, vejamos essa receita, preservada numa tabuleta de argila, que Reiner cita em seu livro:

Cornalina, lápis-lazúli, obsidiana amarela, mekku, egizangû, pappardilû, papparminû, lamassu, antimônio, jaspe, magnetita, turminû, abashmû, doze pedras para se usar se um homem tem um adversário. Amarre as pedras e filaterias num fio de linho e mergulhe-as num jarro de água benta, purifique as pedras e as filaterias, coloque as pedras diante da estrela do Bode [Vega ou Alpha Lyrae], acenda o incensário com ervas aromáticas, faça a libação de cerveja e recite o encantamento:
Ó, tu que és reluzente, que teu coração furioso seja apaziguado,
que teu âmago se abrande, Ó Gula[3], Senhora exaltada.
Fora tu quem criaste a humanidade, quem concede os quinhões, as porções de alimentos e oferendas de alimentos,
esteja presente em meu litígio, que eu obtenha a justiça por teu veredito, por conta dos feitiços, cuspe e maledicências, maquinações sinistras, de meu adversário, que seus malefícios se voltem contra ele e afetem sua cabeça e seu corpo,
e eu, teu servo cansado, cantarei teus louvores.

(Os nomes que ficaram no original são pedras que a gente ainda não sabe direito quais são. Esta é uma receita para encantar um cordão de pedras para agir como um talismã contra um adversário numa disputa judicial.)


Zodíaco árabe, aparentemente medieval

Como essa forma de magia opera, aí depende do tipo de sistema a que você adere. Na magia natural, como a defendida por Marsilio Ficino, usa-se pedras, ervas e outros materiais simbolicamente ligados aos planetas —Ficino, por exemplo, recomendava consumir alimentos e cantar músicas de caráter jupiteriano e solar, para promover a saúde e o bem-estar. Por outro lado, pelo viés da magia evocativa, há espíritos como Sorath, o daemon do Sol, ou Aratron, o espírito olimpiano de Saturno, segundo o Arbatel, que podem ser conjurados pelo esquema clássico de círculo e triângulo de evocação. No paradigma da magia energética, é possível sintonizar-se na energia dos planetas com rituais como o Ritual do Hexagrama, da Golden Dawn, e então manipulá-la diretamente, direcioná-la, acumulá-la, etc. E, por fim, com a magia divina, essa energia é acessada invocando-se anjos e divindades associadas aos planetas e estrelas, como, para dar o exemplo do planeta Vênus, as próprias deusas Vênus, Afrodite ou Ishtar… ou ainda o arcanjo Haniel. 

Eu sei também que é possível que muita gente tenha torcido o nariz quando eu falei na “energia dos planetas”. Sim, eu entendo que isso pode soar suspeito, mas espere, que eu já explico. De fato, numa época já teve quem autores, como o matemático Cláudio Ptolomeu, que viveu no século I-II d.C., que entendiam a influência mística dos astros sobre a Terra em termos mais ou menos físicos. Eles partiam da lógica de que, assim como o Sol nos manda energia literal, mensurável em joules e capaz de nos esquentar, evaporar água e tudo o mais, outros astros também mandariam forças ocultas, mas igualmente capazes de nos influenciar, ainda que num outro nível. Como diz Ptolomeu, tendo em mente as qualidades de calor e umidade que constituem os quatro elementos, em “Dos poderes dos planetas”, a seção 4 do seu Tetrabiblos: “O poder ativo da essência natural do Sol se encontra em aquecer e, em certo grau, em secar”, e depois afirma, da Lua, que o seu poder consiste em “umedecer, claramente porque está próxima à Terra e por conta das exalações úmidas que dela emanam”.

Essa visão, porém, faz tempo que não é mais a visão corrente da astrologia e nem da magia astrológica. Pelo que eu entendo, o corpo físico dos planetas, composto de rocha, gelo e/ou gás, é o menos importante. Por exemplo, todo mundo reclama dos períodos em que Mercúrio fica retrógrado — quando sua órbita dá a impressão, vista daqui da Terra, de que ele está andando para trás, o que aponta para sérios problemas de falhas de comunicação no geral — , mas, se algum Elon Musk da vida tivesse a solução de explodir o planeta Mercúrio, bem, da forma como eu entendo, ainda assim isso não resolveria o problema, porque não é o movimento de Mercúrio que causa as patacoadas aqui, ele é apenas o mensageiro.

O planeta físico, na verdade, como diz a Bíblia (Gênesis 1:14), é apenas um oth, um sinal. E essa era uma visão semelhante à sustentada pelos astrólogos da antiga Babilônia, para quem os planetas sinalizavam o destino, que agia segundo os decretos dos deuses, afinal a palavra para “destino”, em acadiano šīmtu, deriva do verbo šâmu, “decretar” — contraste essa noção de destino com o destino grego, que estava acima, inclusive, dos deuses. Assim, um mau presságio poderia indicar as ações necessárias para se evitar um destino infeliz e também poderia ser anulado com um ritual poderoso de limpeza, o namburbi.

Ou seja, quando falamos em energia mercurial, não se trata da energia literalmente enviada de Mercúrio para cá, como vem a luz do Sol (e que demora 8 minutos para chegar à Terra), mas de um tipo de força sutil que flui, talvez diretamente de Deus, da Fonte (ou do que quer que você prefira chamar), e que age como sangue para todas as atividades ligadas a esse arquétipo (comunicação, pensamento, etc.). E o modo como esse fluxo e a qualidade dessa energia nos afetam aqui no mundo material é indicado pelo movimento de Mercúrio, estando mais forte quando ele está domiciliado ou exaltado, perdendo força quando ele se vê debilitado ou em queda e ficando descontrolada em períodos de retrogradação. Ao mesmo tempo, esses fluxos são habitados por espíritos e tanto os espíritos quanto a energia podem ser acessados pela consciência por meio dos símbolos adequados.

Por esse motivo, independente do tipo de sistema ao qual você adere, se natural, evocativo, divino ou psicoenergético, o essencial para a magia astrológica é dominar o seu vocabulário simbólico. É por meio desses símbolos que esse acesso se dá. Aliás, é importante frisar ainda: por uma vicissitude do destino, os planetas ficaram conhecidos em latim (e daí também nas línguas europeias modernas) pelos nomes dos deuses latinos, porém o trabalho com a magia dos planetas NÃO é a mesma coisa que o trabalho com estes deuses. Seus nomes, aliás, em hebraico, babilônico ou sânscrito, nada têm a ver — o planeta Vênus se diz Dilbat em babilônico, Nogah em hebraico e Suryah em sânscrito, por exemplo.

Às vezes a gente sugere fazer magia astrológica para as pessoas, tipo “faz esse trabalho de Júpiter para prosperidade que é sucesso” e recebe a resposta: “ai, mas eu não tenho familiaridade com o panteão grego”. Mas não precisa. Sim, você pode acessar a magia do planeta Júpiter tendo um trabalho devocional com o deus latino Júpiter ou Zeus grego, há uma relação entre as duas coisas — não por acaso é comum usar-se o Hino Órfico a Zeus em rituais planetários de Júpiter. Mas, se quiser brincar disso, você não precisa ter esse trabalho devocional prévio, nem a menor afinidade pelo panteão greco-romano. Aliás, isso de trabalho devocional é sempre complicado, porque exige muito esforço e tempo, uma coisa de longo prazo, que depende de vários fatores, inclusive afinidade com a divindade. Essa é uma abordagem possível, mas, como quero demonstrar, é apenas um dos métodos. O grande desenvolvimento que se dá com a ascensão da filosofia hermética, o gnosticismo, o neoplatonismo e a predominância das religiões monoteístas foi a desvinculação entre a divindade e os corpos celestes, que passam a ser não mais objeto de reverência, mas uma força subordinada a um anjo ou outro espírito cósmico– e estes, por sua vez, são conjurados pelo nome de Deus Altíssimo.

Um ritual planetário com Júpiter poderia ser feito também com a invocação do deus babilônico Marduk, por via das invocações de outros grimórios de teor monoteísta, pelo mantra indiano Om Gurave Namaha, ou pela conjuração do arcanjo Tzadkiel ou do espírito olimpiano Bethor. Com algum cuidado, várias dessas coisas podem ser combinadas, inclusive. O arquétipo planetário é apenas uma parte dos elementos que compõem as forças dos deuses, mas ele também é muito amplo e inclui coisas que não têm a ver. Seria estranho chamar Tzadkiel num ritual devocional e não astrológico para o deus Júpiter, por exemplo. No mais, pela doutrina das correspondências (“o que está acima etc., etc.”), existem objetos que é como se levassem em si a assinatura dessas forças, que podem ser utilizados para incorporar esse arsenal simbólico que permite acessá-las, como, por exemplo, os metais dos planetas, cristais, incensos e ervas, além de outros elementos mais abstratos ainda como cores, números, sigilos, nomes divinos e até mesmo música!


Amuleto de Vênus em prata com uma esmeralda encrustada, feito pelo Christopher Warnock do site Renaissance Astrology.

Por sorte, uma grande quantidade de material nesse sentido vem sendo produzida desde o segundo milênio antes de Cristo. Na Babilônia, certos deuses eram responsáveis por reger os sete planetas clássicos (como dito no meu texto sobre o assunto), estrelas (como a deusa Gula e a estrela Vega, do exemplo acima) e constelações (como Pabilsag e Sagitário), e poderiam ser invocados para lidar com questões que caíssem dentro da área de atuação desses corpos celestes, como vimos em Reiner. No Egito, os espíritos dos 36 decanos eram invocados em oferendas e amuletos. Nos PGM temos a associação entre as vogais gregas e os planetas clássicos, nomes divinos e rituais como o do Heptagrama. No protocabalístico Sepher Yetzirah, como dito no meu texto sobre o tarô, vemos a ligação entre as letras do hebraico, os 7 planetas e as 12 constelações. Na literatura mágica do mundo árabe, temos os sigilos e as correspondências das 15 estrelas fixas behenianas, trabalho atribuído a Hermes Trismegisto, e, claro, o imenso compêndio de conhecimento mágico que é o Picatrix. Da Índia vieram os mantras dos planetas, como o mantra de Júpiter que eu citei acima. Da Europa renascentista temos o grimório Arbatel, onde vemos os sigilos e poderes dos espíritos olimpianos, os escritos de Ficino como De Vita, os talismãs dos pantáculos da Chave de Salomão, os Quatro Livros de Filosofia Oculta, de Agrippa, que ensina os quadradinhos mágicos dos planetas, sigilos e correspondências de espíritos planetários e muitas outras coisas, além da Hygromanteia, de que eu falei anteriormente, onde vemos mais algumas correspondências e invocações. E no século XIX tivemos ainda as técnicas da Golden Dawn e sua amálgama de Hermetismo e Cabala que permite recorrer a nomes divinos cabalísticos e símbolos como o hexagrama, além de toda a questão do tarô.

Como podem ver, é coisa pra caramba. E todo esse material está à disposição do magista contemporâneo. Recorrendo a ele, é possível, por exemplo, criar um talismã de Júpiter para atrair prosperidade; direcionar a força do Sol para uma eucaristia e consumi-la para ter mais energia e vigor; absorver a energia de Vênus antes de ir para a balada; conjurar os anjos dos planetas para buscar ser iniciado neles; atenuar os efeitos adversos de planetas mal posicionados no mapa natal, e por aí vai.

Por fim, a pergunta que não quer calar: é preciso entender muito de astrologia para isso? Bem, depende. Para algumas coisas, sim, se você quiser, por exemplo, fazer os amuletos descritos no Picatrix que exigem calcular momentos mais precisos. Porém, eu parto da máxima do antigo perfil do tuíter The Angsty Magician que diz: “eu uso astrologia como um engenheiro usa matemática: só o suficiente pra me virar, e também bêbado”. 

É claro que, quanto mais você souber, melhor, pois assim dá para captar algumas nuances que terão efeitos positivos. Mas dá para se virar muito bem com o mínimo. Se você sabe o arquétipo básico de um planeta (pra que ele “serve” na magia), seu dia da semana (se souber calcular as horas astrológicas, melhor ainda), e sua interação com os signos, já dá para fazer muita coisa. Por exemplo, no momento (estou publicando este texto numa segunda, 21/09), Marte está domiciliado (ou seja, no signo que ele rege) em Áries, o que é positivo… porém, ele está retrógrado, então não é um bom período para usar suas energias em magia de manifestação, pois pode tudo sair muito errado. Porém, Vênus está confortável em Leão: não é um signo onde o planeta esteja exaltado ou domiciliado, mas é um bom momento para magia ligada ao amor, à harmonia, beleza e criatividade (domínios venéreos) no âmbito de chamar atenção (que é uma característica leonina). Alguém que faça algo neste sentido nesta sexta-feira agora (dia de Vênus), com a lua crescente em Libra (regido por Vênus), possivelmente terá bons resultados.

Eu entendo que a magia astrológica possa não ser a praia de todo mundo — afinal, se você não gosta de astrologia, se acha que é terraplanismo[4] ou algo assim, aí, realmente, fica difícil gostar de magia feita por essa perspectiva também —, mas é uma prática que teve uma influência profunda sobre toda a tradição ocidental. No Hermetismo clássico, por exemplo, entendia-se que a ascensão do adepto se dava pelas esferas dos planetas, de modo que, a cada esfera passada, mais ele se purificava, se aproximava de Deus e ampliava seu poder espiritual. Não é por acaso que muito da magia astrológica de origem árabe, como se vê no Picatrix, vem por um viés hermético e essas noções também colorem a Árvore da Vida cabalística do sistema da Golden Dawn e da Thelema. Dominar esse vocabulário não apenas abre as portas para uma prática poderosa como também permite compreender muito das tradições mágicas que chegaram até nós.

* * *

[1] Sim, eu sei que, de uma perspectiva científica, o Sol e a Lua (e Plutão!) não são planetas. Mas convencionou-se manter a terminologia clássica que se baseia na etimologia da palavra: “planeta” vem do verbo grego planeo, “vagar”, porque são corpos celestes que vagam pelo céu, enquanto o movimento das estrelas era diferente, entendidas como fixas no firmamento, que, por sua vez, se deslocava mais devagar.

[2] A astrologia como a conhecemos, com os 7 planetas e 12 signos, as noções de elementos, triplicidades, dignidades, etc, começa a surgir no período helenístico, que é inclusive quando a eclíptica é fixada (por isso as estrelas fixas das constelações como Regulus, o coração da constelação de Leão, já estão em outros signos… e por isso que é uma tremenda besteira quando falam na descoberta de um 13º signo). Antes disso, o uso da astrologia feito no Egito e na Mesopotâmia era muito diferente. Os babilônios, por exemplo, entendiam que certos marcadores celestes referenciavam povos vizinhos, de modo que certas configurações astrológicas poderiam ser indicadores de invasões.

[3] Gula é a deusa mesopotâmica da cura e padroeira da medicina, porém, como muitas divindades, poderia ser chamada para práticas que não caem exatamente dentro desse domínio.

[4] Você pode ter uma posição crítica à astrologia e não gostar de astrólogos (afinal, os mais famosinhos como João Bidu não costumam ser muito sérios), mas comparar com terraplanismo é o tipo de desonestidade intelectual ou incapacidade de interpretação simbólica que é de se esperar já do pessoal neoateu que se pretende “cético” ou “racionalista”. Se você lida com magia hoje (e utiliza outros métodos oraculares como tarô) e ainda não entendeu isso, eu não sei o que te dizer…

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