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A tabela dos 72 anjos

A tabela dos 72 anjos

Leitura em 12 min
Fonte: O Zigurate

O que seria do ocultismo ocidental sem seus tabelões, não é mesmo? A tendência de botar tudo em planilhas pode ser um hábito ruim, quando vira um fim em si mesmo e estimula o hábito de obsessivamente taxonomizar e encaixar tudo que existe na realidade em categorias fechadinhas e definitivas (uma tendência que a gente observa especialmente entre magistas de poltrona). Mas há virtudes a esse hábito, sobretudo quando ligado a uma prática, como uma forma de reunir num mesmo lugar todas as informações pertinentes a fim de lidar com uma dada entidade com a qual você queira trabalhar. Tabelões de correspondências de incensos, pedras, cores, etc. sempre me foram muito úteis para magia astrológica, por exemplo.

Foi pensando nisso e aproveitando o embalo dos meus últimos dois textos sobre os 72 anjos do Shem HaMephorash (também chamado Shem Vayisa Vaiyet) e sua conjuração, que eu criei aqui o meu próprio tabelão dos anjos. Se você ainda não leu esses dois textos anteriores, recomendo lê-los antes de continuar, para entender o que está acontecendo aqui.

A Mandala-Mestra de Poke Runyon. Apesar de eu incluí-la aqui a fim de ilustrar o texto, o sistema utilizado para distribuição dos anjos não é o mesmo. Continue lendo que você vai entender, mas basicamente o sistema de Runyon começa a distribuição dos decanos a partir de Vehuiah, o 1º anjo, e o sistema da Golden Dawn começa com Vehuel, o anjo 49.

Beleza, mas o que temos de útil na tabela? Em ordem:

Nomes

Primeiramente temos o nome e número de cada anjo, desde Vehuiah, o anjo número 1, até Mumiah, o 72º. Junto com o nome de cada anjo, eu incluí o nome divino em hebraico ao qual ele está associado (lembrem que os 72 nomes dos anjos são criados a partir desses nomes de Deus constituídos de três letras mais um final EL ou YAH). Esses nomes divinos constam no hebraico original, transliterado para o alfabeto latino e com duas pronúncias possíveis.

A primeira pronúncia é a do método de Abraham Abulafia, de que falamos antes, que utiliza as chamadas “vogais naturais”. A segunda é a oferecida pelo cabalista Jacobus Swart, o autor da série Shadow Tree de livros sobre Cabala judaica, em seu blog. No caso de Vehuiah, para continuar com o exemplo, o anjo deriva do nome divino vav-heh-vav, VHV, que pode ser lido como VaHeVa (de vav, heh, vav, método de Abulafia) ou Vehu (Swart), dentre outras pronúncias possíveis (mas vamos ficar só com essas duas). A utilidade de termos o nome do anjo é óbvia, mas a aplicação de sabermos o nome de Deus do qual ele deriva tem a ver com as possibilidades do uso de talismãs de pingentes com as letras desses nomes em hebraico, meditações sobre essas letras e coisas do tipo. Além do mais, os nomes dos anjos variam, por isso é importante saber o número deles e a sequência de letras (o casal Cicero, por exemplo, como vimos, chama Vehuiah de Vahaviah). Assim, ninguém corre o risco de confundir os anjos.

Tarô

Na sequência, temos as correspondências desses anjos no sistema da Golden Dawn em sua distribuição com os arcanos menores do Tarô e seus respectivos decanos… o que é uma atribuição um pouco mais complicada e exige alguma explicação aqui. Os decanos são as divisões de 10º da eclíptica, que, sendo um círculo, totaliza 360º… óbvio. Assim temos 36 decanos, 3 para cada um dos 12 signos – e aí, por isso eles são chamados também de “faces dos signos”. Originalmente o conceito é um tanto mais complexo, porque deriva da astrologia/astronomia egípcia e tudo o mais, mas o sincretismo com o sistema helenístico de signos acontece cedo e a tabela usada para isso é a do astrólogo Cláudio Ptolomeu, no seu Tetrabiblos.

A sequência dos decanos começa com Áries, o primeiro signo do zodíaco, cujos primeiros dez graus são regidos por Marte (o regente de Áries). Os dez graus seguintes são regidos pelo Sol e os últimos dez por Vênus. A lógica aqui é que a sequência segue a chamada ordem caldeia ou caldaica dos planetas (Saturno — Júpiter — Marte — Sol — Vênus — Mercúrio — Lua, depois Saturno de novo e assim por diante), igual se observa no cálculo das horas astrológicas. Por isso o primeiro decano é chamado de o decano de Marte em Áries, o segundo de Sol em Áries, o terceiro de Vênus em Áries, depois Mercúrio em Touro (os primeiros 10º desse signo), Lua em Touro, Saturno em Touro e assim por diante. A questão do uso dos decanos na astrologia e na magia rende muito pano para manga e não é aqui que vamos falar mais detidamente disso. O que é relevante é que há uma relação entre os arcanos menores do Tarô, que totalizam 36 quando excluímos os ases e as cartas de corte (9 x 4 = 36), uma relação que, inclusive, segundo alguns autores, pode ter influenciado a iconografia das cartas no Rider-Waite-Smith1 e certamente influenciou o tarô de Thoth.

Como são 72 anjos e 36 arcanos/decanos, fica uma distribuição de dois anjos para cada um, um sendo o anjo diurno e o outro o anjo noturno de cada carta/decano. Só que a sequência começa não com o primeiro anjo Vehuiah, mas sim com Vehuel, o anjo número 49 (mas bizarramente também associado ao nome VHV, que é o único que se repete aqui). Desse modo, Vehuel é o anjo diurno do decano de Marte em Áries, ligado ao 2 de paus, a primeira carta do naipe do elemento fogo, o elemento de Áries — e o 50º anjo, Daniel, seria o anjo noturno dessa mesma carta. Depois os anjos 51 e 52 são os anjos do 3 de paus, Sol em Áries, segundo decano, e assim por diante. Vehuiah, o primeiro anjo da série, acaba sendo o primeiro decano, saturnino, de Leão. Esse mesmo sistema também é utilizado, dentro desse modelo, para fazer os pares de anjos e demônios da Goécia, mas eu não o incluo na tabela, em primeiro lugar, porque é um assunto mais polêmico – como podem ver, existe uma outra equivalência mais simples, que começa com Vehuiah mesmo, apresentada na “Mandala-Mestra” de Poke Runyon acima, que segue o Dr. Rudd. Em segundo lugar, eu não tenho experiência com Goécia, por isso achei melhor deixar quieto.

O motivo de eu ter recorrido ao sistema rebuscado da Golden Dawn e não à equivalência mais simples e direta de Runyon/Rudd, foi por eu ter consultado aqui o volume Tarot Talismans, do casal Cicero, de que eu já falei num outro momento. Eu gosto muito de magia com o tarô e acredito que possa ser útil para quem tem interesse no assunto também – essas associações são parte de um sistema meio complicado, como tudo que vemos na Golden Dawn, e pode parecer mera curiosidade, mas nesse sentido há aplicações práticas para esse tipo de magia. Outras atribuições, como o arcanjo zodiacal ao qual eles obedecem, podem ser encontradas nesse mesmo livro, mas aí eu já achei que era coisa demais e preferi não incluir (até porque, de novo, há sistemas concorrentes nesse sentido2).

Salmos, horário de atendimento e poderes

Desde a obra do Dr. Rudd, para cada anjo do Shem HaMephorash é atribuído um versículo de um dos salmos3. O de Vehuiah é o salmo 3:3, “Porém tu, Senhor, és um escudo para mim, a minha glória, e o que exalta a minha cabeça”. Você pode trabalhar só com esse versículo específico, inscrevendo-o num selo com o sigilo do anjo, como vimos na prática goética do Dr. Rudd, ou trabalhar com o salmo inteiro ao recitá-lo em voz alta durante o ritual, enfatizando o versículo em questão.

Aqui eu me baseei na obra de Ambelain, que no geral serviu de referência tanto para o casal Cicero quanto para a Mônica Buonfiglio e o Travis McHenry, autor do Angel Tarot. A Mônica, porém, dá apenas salmos inteiros, não versículos isolados, e às vezes diverge um pouco. Os Cicero costumam acompanhar de perto o que diz Ambelain, mas de vez em quando aparecem algumas discrepâncias. O autor que realmente usa uma versão bem diferente é o Damon Brand. Talvez num momento posterior eu inclua uma coluna com a versão dele da equivalência de salmos — uma vantagem de trabalhar com o material online é que eu posso atualizá-lo quando der na telha, além de poder corrigir com facilidade caso alguém me aponte algum erro.

Depois, também em Ambelain, consta o horário de atendimento de cada anjo — como dito no texto anterior, apesar de ser possível trabalhar com eles a qualquer hora, tem períodos específicos de 20 minutos a cada dia durante os quais esse contato é mais forte. A tabela começa à meia-noite com Vehuiah, até meia-noite e vinte, com Yeliel, e assim vai até dar a volta toda com Mumiah, às 23:40. Essa distribuição de horários não tem a ver com a divisão de anjos “diurnos” e “noturnos” da GD (Vehuiah é chamado de diurno, mas seu horário é à meia-noite). O que eu não incluí, mas talvez inclua numa atualização futura, são os dias de cada anjo.

Por fim, o mais importante: os poderes, claro. É para isso que vocês vieram aqui, não é? Nesse quesito, tanto a Buonfiglio quanto o casal Cicero acompanham bem de perto o Ambelain, com algumas variações e talvez um ou outro erro de tradução – toda vez que o francês fala que um anjo protege impérios ou coisa do tipo, a Mônica coloca “empresas” em vez disso, o que eu não sei se é uma tradução equivocada ou uma adaptação que também serve de crítica social foda. Enfim, nos volumes citados vocês podem ver isso de forma mais detalhada, mas é útil ter tudo listado desse jeito. Assim, se alguém precisar de ajuda, por exemplo, para engravidar, uma olhada rápida pela planilha mostra que tem alguns anjos que cuidam de assuntos de fertilidade, mas mais especificamente o 56º, Mebahiah – e aí você pode ver que ele cuida disso, seu salmo é o 102, versículo 12, letras mem-bet-heh, atendendo às 18h, como o anjo do 5 de ouros. Usando o sigilo do anjo, que eu também disponibilizo no finzinho deste texto (mais uma vez tirado do volume do Ambelain) e as instruções dadas no texto anterior, já dá para montar um ritualzinho simples e prático.

Outras associações cabalísticas

Essa parte talvez seja um pouco menos relevante no quesito da prática, por isso ficou para o fim. Em alguns dos seus posts sobre os 72 nomes de Deus, Swart comenta alguns agrupamentos desses nomes. Um deles os divide num arranjo tripartido, chamados ali de grupo 1, 2 e 3, todos divididos em mais quatro subgrupos de seis nomes, cada um dos quais equivale a uma direção cardeal – a utilidade óbvia aqui sendo a direção à qual você pode se voltar durante o ritual. Mas é um detalhe menor mesmo.

Por fim, temos as permutações do tetragrama. O nome divino YHWH tem doze permutações possíveis, geralmente associadas aos 12 signos do zodíaco e cada um desses grupos aqui equivale a uma dessas permutações. Vehuiah, por exemplo, cuja sequência é VHV, pertence ao grupo 1 do leste, que responde ao tetragrama normal, YHWH mesmo. Já o anjo Cahetel, letras KHT, pertence ao grupo 1 do oeste, que responde à permutação HWHY. Essas aplicações são mais práticas, porque, como vemos num modelo de ritual como o da Golden Dawn, é padrão conjurar o anjo vibrando o nome de Deus mais adequado nessas conjurações.

Últimas considerações

Agora uns últimos comentários. O que eu não incluí aqui, nem pretendo: o “horóscopo” desses anjos, por assim dizer. Se você olha no Ambelain (e a Mônica Buonfiglio vai enfatizar isso bastante), quando você nasce sob cada anjo, em tese você recebe certas características, e o livreto do Angel Tarot comenta que há uns três anjos envolvidos, um como guardião do corpo, outro da alma, etc. Quem quiser saber mais, pode consultar esses volumes, mas eu pessoalmente não tenho maior interesse nisso. 

É importante frisar ainda que eu estou seguindo certos padrões mais ou menos consagrados de transliteração do hebraico, que utiliza certos caracteres especiais como Ḥ para representar o som gutural do chet (em oposição ao H para he); o Ṭ para o “t” enfático de tet (em oposição a T para tau); e o Ṣ para o “s” enfático do tsade (com som de “tz”, tipo “putz”); além do Š para o shin (tipo o nosso “ch” em “chiado”), e os apóstrofos para álef e ayin (cada um virado para um lado, ’ e ‘, respectivamente).

Por fim, os nomes dos anjos… existem alguns nomes que meio que pegaram no rolê do ocultismo, apesar de não fazerem muito sentido. O anjo 69, por exemplo, Rochel, eu não consigo entender de onde tiraram essa pronúncia, sendo que a sequência de letras é resh-álef-he, pronunciada, segundo Swart, como Ra’ah. Nesse caso, eu tomei a liberdade de alterar o nome do anjo para Ra’ahel. Eu não procurei sair reformando todos os nomes, porque eu não sou presunçoso nesse nível, mas sempre que a discrepância parecia grande demais, eu me orientei pela pronúncia do Swart. Isso não tem maiores problemas, tipo “ai, meu Deus, eu sempre chamei ele de Rochel, está errado!”, até porque os anjos não são pedantes que nem nós, mas eu acho bom apontar essas coisas.

E é isso, gente. Espero que este trabalho vos seja útil.

Sem mais delongas, então, eis aqui o link da planilha no meu Google Drive.

E para o .pdf com os sigilos dos anjos, retirados do volume de Ambelain, é só clicar aqui.

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  1. A Susan T. Chang tem um livro só sobre isso. Numa entrevista para o podcast Arnemancy ela comenta como a iconografia, por exemplo, do 2 de espadas, do decano da Lua em Libra, remete tanto ao arcano maior de Libra, a Justiça (na pose da figura) quanto à Lua, que aparece no canto da imagem na carta. ↩︎
  2. O casal Cicero oferece um sistema, baseado nos decanos; Damien Echols oferece outro, mais direto; e, considerando as permutações do nome divino YHWH e suas equivalências com os nomes do Shem, talvez um terceiro sistema possa emergir aí, mas eu ainda não pude conferir. ↩︎
  3. A exceção bizarra aqui é o 70º anjo, Iabamiah ou Jabamiah, que utiliza o versículo 1:1 do Gênesis. Em outros sistemas, como de Brand e na Mônica Buonfiglio, existe um salmo atribuído, mas eu preferi não misturar. ↩︎
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