Esoverso
Uma prece preliminar para trabalhos na linha mesopotâmica

Uma prece preliminar para trabalhos na linha mesopotâmica

Leitura em 6 min
Fonte: O Zigurate

Quem me acompanha há algum tempo sabe que eu dou bastante ênfase a rituais preliminares. Temos já um texto só sobre o assunto aqui, e uma aula inteira do meu curso de Introdução Prática à Magia é dedicada ao tema. Os motivos para isso são vários, e quando eu era ativo em comunidades do Facebook, o que eu mais via era iniciantes que simplesmente não sabiam por onde começar um ritual… e, bem, o melhor lugar para começar é do começo, né? Mas o que eu sempre reitero também é que esse tipo de ritual simples, feito antes de um trabalho maior, serve como aquecimento, preparando o praticante para o que vem depois, além de somar uma camada a mais de ressonância simbólica ao trabalho que vai ser conduzido.

Quem é politeísta e já abriu rituais pagãos com o Ritual menor do Pentagrama – uma técnica alinhada a uma egrégora abraâmica – sabe do que eu estou falando. Eu sou da opinião de que a gente deve trabalhar com as ferramentas que temos à mão, então se é isso que você sabe fazer, tudo bem, não é um problema necessariamente. No entanto, é mais legal quando existe essa coesão, e esse é o motivo pelo qual existem inúmeras variações do RmP – eu mesmo já ofereci um ritualzinho nessas linhas aqui, muito tempo atrás. Ao mesmo tempo, eu não acredito mais que esse seja o caminho mais produtivo e, em vez disso, minha opinião é, hoje, de que o melhor é entender quais são as várias funções desejáveis antes de uma dada operação mágica e então elaborar rituais para supri-las. Foi nesse espírito que eu compus o ritual das quatro direções com os guardiões dos PGM, por exemplo, e é esse o princípio que me orienta agora.

Nesse sentido, eu gosto de ter um ritual preliminar básico para aquecimento e conexão inicial com a egrégora que será trabalhada, além de rituais para limpeza, proteção, energização, sintonia elemental e planetária, etc. E eu gosto de fazer tudo isso livre dos moldes da Golden Dawn (de novo, nada contra a GD, mas eu prefiro evitar possíveis problemas de compatibilidade). Quem me acompanha há algum tempo também sabe que eu conduzo um trabalho com as deidades do panteão mesopotâmico. Temos alguns textos n’O Zigurate dedicados a hinos a esses deuses, afinal, e um post só sobre fórmulas úteis, tiradas de fontes antigas. Por isso, o que eu gostaria de compartilhar hoje é uma prece preliminar para se conduzir esse tipo de trabalho.

O rei Hamurabi, da Babilônia, em frente ao deus solar Shamash, século XVIII a.C.

É importante frisar que esse texto, tal como está composto, não é um texto antigo, diferente dos hinos que eu venho compartilhando. Na verdade, como os hinos em babilônico são bastante formulaicos e as frases se repetem de um hino para outro, não é difícil tomá-los como ponto de partida para preces autorais, tendo um pouco de estudo do idioma. A ideia aqui, portanto, é compor uma prece breve que funcione como as preces antigas, no mesmo formato, na qual o praticante dirige-se ao panteão como um todo e não a um único deus, pedindo as bênçãos antes de seguir adiante.

O texto que eu mesmo compus e tenho usado é o seguinte:

anāku ina bītim ilāni rabûti
pirištam aṣṣur ilāni rabûti
ina qibītīkunu kitti lubluṭ
urḫī lidmiq padānī līšir

ina ikrib akarrabu nuram šuknam
maḫarkunu-ma namriš atallukunu lušbi
ina ikrib akarrabu balaṭam šuknam
atmêya-ma liṭīb eli ili u ištari

šamû liḫdūkunu erṣetim lirīškunu
ana dārâti dalīlīkunu ludlul

Glosa linguística: o texto em acadiano utiliza as marcações acadêmicas:

  • as vogais com macrons, ā, ē, ī, ū, indicam vogais longas;
  • o “s” com um diacrítico em cima, š, é um som chiado, como o shin hebraico, nosso “ch” ou o “s” de final de sílaba de carioca;
  • o “h” com um diacrítico embaixo, , é um som gutural, como o “ch” alemão em Bach, equivalente ao chet hebraico;
  • o “s” com um diacrítico embaixo, ṣ, é o “s” enfático, como o tsade hebraico, que costuma ser pronunciado como “ts” ou “tz” (tipo “putz”);
  • e, por fim, o “t” com um diacrítico embaixo, t, é o “t” enfático também, como o tet hebraico, mas este é o tipo de som que apenas quem tem muita familiaridade (ou que de fato é nativo) com línguas semíticas consegue reconhecer e pronunciar direito.

Para ouvir como essa prece é pronunciada, favor conferir o nosso canal no Telegram.

Segue a tradução: “Estou no templo dos grandes deuses / Eu guardo o segredo dos grandes deuses / Por vosso decreto zeloso, que eu viva e tenha saúde / Que meu trajeto seja favorável, meu caminho seja reto. // Dai luz a este ritual / Que eu seja plenamente satisfeito em caminhar radiante à vossa frente. / Dai vida a este ritual / E que minha voz seja agradável a meu deus e minha deusa. // Que os céus se regozijem, e a terra se alegre convosco / Que eu proclame vosso louvor para sempre.”

Na sequência, para encerrar esse ritualzinho, eu incluo também um trabalho com alguns dos 50 nomes de Marduk, revelados no Enuma Elish. São os nomes ASARI-ALIM (“honrado em conselho”), ENBILULU-HEGAL (“que faz chover sobre a vasta terra e gera a vegetação”) e IRUGGA (“que a tudo sabe, vasta inteligência”). A motivação por trás dessa escolha para os nomes divinos faz parte de todo um sistema de trabalho, à moda cabalística, com os nomes de Marduk que eu venho conduzindo e que eu não posso explicar agora.

Assim, após recitar o texto da prece, o que eu recomendo fazer é colocar os braços na pose de suplicante (acima) e entoar de modo cantado esses três nomes de Marduk. Depois unir as mãos na pose de adoração que também é típica das estátuas sumérias. Feito disso, você pode prosseguir com os trabalhos normalmente. Para mim, essa prece faz parte de um trabalho de rotina, usada antes de fazer as oferendas diárias de incenso e devoções mais específicas.

Eu ando bastante inspirado em meu trabalho mesopotâmico ultimamente, por isso vocês podem esperar mais textos relacionados a essas práticas nas próximas semanas. E aí, aproveitando a virada do ano (apesar de o ano novo babilônico chegar só em março), é bom começarmos do começo, não é?

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