Revoltado e com a varinha na mão: lidando com fracassos místicos
Você juntou a sua parafernália oculta, acendeu as velas, queimou incenso, cantou as palavras doidas e esperou.
E esperou.
E esperou mais um pouco.
E, no entanto, fuén: nada aconteceu. Você até pode ter sentido umas coisas ou, pior, nem isso. É uma experiência frustrante, especialmente para quem está começando, e pode ser um golpe na autoestima, o tipo de acontecimento que faz você pensar “magia não é pra mim”, “eu não sirvo pra isso” — o que, se você levar a sério, não deixa de ser uma profecia que se autorrealiza e agrava o problema. Pior, se você vem de um background mais desencantado, fracassos podem fazer você desacreditar na coisa toda e voltar para o ceticismo materialista. Mas, calma, não pegue os livros do Richard Dawkins ainda! Hoje nós vamos ver o que pode ter acontecido.
Bem, antes de tudo é preciso qualificar o fracasso, por assim dizer. Se você faz uma conjuração esperando ver a manifestação de uma entidade na sua frente e nada acontece, aí temos uma situação que é muito frustrante, mas pode não ser bem um fracasso. Muitas vezes isso não quer dizer necessariamente que a entidade não veio, mas sim que faltou a capacidade de percepção. Se você fez o ritual, não viu, nem ouviu nada, mas seguiu em frente, fez a sua petição e ela se manifestou como esperado, então não se trata de um fracasso completo. Talvez seja o caso de trabalhar melhor a sua mediunidade/clarividência e prestar mais atenção a outros sinais sutis de sua presença. Pela mesma lógica, um ritual cheio de efeitos estranhos (dizem que evocações de Goetia seguindo o modelo mais clássico causam fenômenos de Poltergeist e outras bizarrices) é eficaz em convencer os céticos, mas se não dá resultado, acaba sendo só isso, mera pirotecnia. É esse o tipo de fracasso a que eu vou prestar mais atenção aqui.
É importante eu avisar, de cara, que este texto não é uma lista de desculpas possíveis para você dar, como quem perde em joguinho de luta e põe a culpa no controle, mas uma ferramenta de diagnóstico: a ideia é que esses pontos sirvam de reflexão e você possa melhorar as suas práticas.
Medeia desiludida (c. 1640), de Paulus Bor
1. A intenção
Às vezes o que a gente quer não acontece pelo simples fato de que a nossa intenção era — sem querer ofender — meio besta. Tudo bem, todos nós desejamos coisas estúpidas de vez em quando, até porque VAI QUE, NÉ. Mirar no que parece impossível é bom às vezes… se der certo, você sabe que você tem poder para isso, o que é uma sensação ótima. Mas, se não der, você precisa estar ciente de que estava mirando em algo exagerado demais e não se decepcionar ao descobrir seus limites. O grande exemplo é o da loteria, como dito no meu texto sobre spellcrafting e magia de prosperidade. As chances de ganhar na loteria são tão ínfimas que, mesmo ampliando-as várias vezes, permanecem uma possibilidade distante (para não falar nada do tanto de mandinga que muitas das pessoas que jogam na loteria fazem também, que devem acabar se neutralizando mutuamente).
O exemplo da loteria é meio monolítico, porque realmente não tem muito o que fazer, é apenas um único evento improvável. Outras situações podem parecer difíceis à primeira vista, mas se tornam mais manejáveis se forem quebradas em unidades menores, o que exige repensar sua abordagem. No lugar de fazer um puta ritualzão para resolver um problema complicado tudo de uma vez, por que não quebrá-lo em problemas menores e resolvê-los cada um com um trabalho próprio menor e mais tranquilo?
Lembre-se também de formular tudo com clareza. Como dito já antes, “quero ser rico” é uma péssima formulação de intenção, por exemplo, por ser vaga demais. É importante entender quais as raízes dos problemas na sua vida que você quer resolver e aí fazer uma aplicação direcionada da magia. Ao lidar com forças mais brutas, estúpidas ou amorais, seja bastante específico a fim de evitar aqueles efeitos literalistas meio “pacto com diabo” de cautionary tales típicos1 que muita gente já relatou ter, por exemplo, com magia de sigilos — coisas do tipo, “quero tanto de dinheiro” e então encontrar a carteira de uma outra pessoa com aquela quantia. No caso de espíritos mais benévolos e inteligentes, porém, esse cuidado todo acaba não sendo tão necessário e é bom dar uma margem de manobra para eles trabalharem (ninguém gosta de microgerência, afinal).
2. Erros no ritual
Esse é um problema clássico para iniciantes ou para praticantes intermediários que estão começando a fazer experimentos e alterações no que era mais garantido. Se você está seguindo as instruções prontas de um autor, você seguiu tudo à risca ou adaptou? Você memorizou tudo direitinho ou será que, na hora, você confundiu os pentagramas? Você fez tudo com ânimo e vontade ou foi um ritual meia bomba, perfunctório? Hesitações, quebras de ritmo, confusões (“putz, que que era para fazer agora?”) e pausas estranhas também causam perda de momento e colocam água no chope da magia. Se você adaptou, as adaptações faziam sentido mesmo ou rolou uma preguiça e você fez meio que qualquer coisa?
Se você está construindo um ritual próprio, convém repensá-lo, testá-lo de novo sob outras condições, etc. Se você começou com uma forma mais complexa e simplificou, será que não cortou coisas demais? A simbologia está coerente? Você está usando as forças corretas? Aliás, você está chamando de fato alguma outra força para te ajudar? Como você movimenta a energia durante o ritual? De novo, convém conferir o meu texto de magia de prosperidade, porque é nele que eu toco nessas questões.
O timing também é importante. Especialmente no caso da magia astrológica, ele representa a diferença entre fracasso e sucesso, e o Christopher Warnock já relata ter perdido dinheiro em ritual de prosperidade por ter trabalhado com um planeta num momento de extrema debilidade. Outras formas de magia podem não depender tanto dos céus, mas prestar atenção nisso pode fazer toda diferença.
Se você seguiu tudo à risca certinho, pelo menos superficialmente, não tinha por acaso outras coisas que o autor exigia antes desse tipo de ritual? Eu já falei do Bardon e, para realizar o que ele ensina nas etapas mais avançadas do seu Magia Prática, é crucial ter feito tudo das etapas anteriores, senão simplesmente a coisa não vai. Por exemplo, uma das suas técnicas é o acúmulo e direcionamento dos elementos, mas essa não é uma prática que é possível dominar de imediato. Você precisa começar utilizando a imaginação e visualização, que precisa ser treinada antes, e então, em algum momento do seu treinamento, acontece um clique e a coisa vai: quando você vê, você está realmente projetando o elemento, a ponto de ser possível outra pessoa sentir. Mas antes desse ponto, é muito improvável obter resultados práticos.
3. Tinha boi na linha
Eu bato muito nessa tecla da questão da limpeza do espaço, seja por meio de banimentos ou de outras práticas, porque a sujeira realmente é um problema, e os estresses da vida cotidiana se articulam de tal forma que a gente nem percebe quando ela se acumula até estar tudo encrustado. Pense na diferença de eficácia para um ventilador quando está limpo e quando está sujo, cheio de poeira e cabelo, que dá para ter uma ideia.
Antes de fazer o ritual, você tem certeza de que estava tudo limpo? Você tem se limpado e limpado o ambiente com frequência? Você está bem, tem dormido direito ou anda deprimido, doente, insone e meio fodido no geral? Da última vez que você abriu os portões e invocou algo, você fechou, mandou geral embora e baniu tudo depois? Você fez algum trabalho recentemente com certas forças mais suspeitas? Você tem rogado pragas, feito amarrações ou outras formas de magia maléfica no geral? Você tem sido alvo de pragas?
Um tempo atrás, todo mundo queria brincar com Goetia, o que deixa o ambiente carregado se você não souber limpar depois. Hoje a moda é caoísta brincar com servidores criados por outras pessoas, o que é não tão perigoso, mas é complicado (Goetia é meio tipo o risco de mexer com animal selvagem, enquanto servidores públicos são mais como pegar verminose). Como eu costumo dizer, chamar algo criado por desconhecidos é basicamente o mesmo que instalar software feito por qualquer um, que você não sabe o que tem dentro e pode vir com um monte de vírus entulhado. Repense o que você tem trabalhado e enfatize a limpeza e defesa da sua casa e seu espaço ritual, se esse for o caso.
4. Falta de força
Esse talvez seja o mais frustrante para o principiante, especialmente porque o pessoal de uma vertente caoísta mais indisciplinada (como a Pop Magick do Grant Morrison), que nem considera a questão do poder espiritual e as formas de ampliá-lo, acredita que é possível resolver tudo com sigilo e servidor, e aí você fica sem resposta quando as coisas não dão certo (o Morrison fala que “sigilos sempre funcionam”, e aí, bem, isso não é um argumento).
Pode acontecer de a intenção não ser tão absurda e o ritual ter sido seguido à risca, com tudo limpinho, mas você ainda não ter a força necessária para fazer o seu desejo acontecer. É disso que fala Jason Miller no texto Why Your Magick Didn’t Work: se você usa um lápis como alavanca para movimentar uma bola de beisebol (esse é o exemplo que ele usa), você provavelmente vai conseguir e vai dar tudo certo. Se você usar esse mesmo lápis como alavanca para tentar movimentar um carro, aí bem, não dá, né.
A vantagem é que esse tipo de problema se resolve com tempo e esforço. Os grandes autores de magia que eu acompanho enfatizam sempre a importância da rotina e eu assino embaixo também. A comparação com músculos é muito adequada: você pode não conseguir levantar um peso de 100 kg com a sua forma atual, mas com uma rotina adequada é possível chegar lá uma hora. Se você não faz ideia de por onde começar, eu tenho um texto sobre essa questão que pode servir de ponto de partida. Iniciações, sejam elas dadas por membros de grupos fechados (como os empowerings dos grupos Vajrayana) ou entidades (como os arcanjos planetários em Seven Spheres, de Rufus Opus, ou os espíritos de Bardon), também ampliam a sua capacidade de manifestar resultados.
5. Falta de continuidade
Lembre-se que os esforços mágicos devem acompanhar esforços mundanos — um ritual de cura não pode substituir um antibiótico, por exemplo. OK, para algumas intenções essa dica não se aplica, tipo magia meteorológica (“é meu desejo que faça sol neste fim de semana”), para a qual não há nada que se possa fazer aqui embaixo2, mas esse caso é mais incomum. De novo, eu já falei disto num momento anterior, o texto complementar sobre rituais de prosperidade: fazer um ritual longo e depois sentar no sofá esperando que o dinheiro caia do céu não é a aplicação mais eficaz da sua magia. E isso vale para todo tipo de trabalho: a pessoa que faz magia amorosa para arranjar alguém para namoro ou sexo e aí não toma banho, a pessoa que faz um trabalho para vencer um caso na justiça e aí falta na audiência, a pessoa que se enche de talismã de proteção e vai ostentar um Rolex na cracolândia. Deu para entender já.
Há quem diga que esse tipo de dica pinta uma imagem muito impotente da magia, a pessoa realmente quer manifestar resultados que vão na contramão do bom senso. Para essas pessoas eu digo que com treinamento o suficiente (o item 4) dá sim para chegar lá… mas pra quê? Tem uma descrição muito divertida do Sepher Yetzirah que afirma que suas técnicas meditativas podem ser usadas para despertar poderes como telecinese, mas se você pretende aprender isso para conseguir pegar a cerveja na geladeira sem levantar do sofá, bem, esse certamente não é o uso mais eficiente do seu tempo e esforço.
“Om Vajrasattva Samaya Manupalaya…”, o mantra de 100 sílabas de Vajrasattva, o grande purificador, escrito em tibetano
6. Outras questões maiores
Aqui entramos nos motivos ligados a questões superiores, que não se encaixam em nenhuma das razões vistas até agora e por isso podem ser motivo de perplexidade, com muita discussão de natureza mais especulativa. Jason Miller, em The Sorcerer’s Secret, num capítulo sobre as aptidões naturais de cada um, relata, por exemplo, que ele é incapaz de fazer funcionar magia para jogos e apostas, apesar de ter sucesso em outras áreas. Ele conta da vez que foi num cassino e passou horas jogando com uma mojo bag feita para isso e não fez o menor efeito, mas foi colocá-la na mão da mulher dele que ela na hora já conseguiu ganhar dinheiro com um caça-níqueis. Ele não entende o porquê disso, mas várias explicações concorrentes poderiam ser dadas: pode ser algo ligado ao seu mapa astral, karma ou mesmo algo a ver com vidas passadas ou a própria vontade divina. No texto dele que eu citei anteriormente, Miller comenta que não gosta do argumento da vontade divina ou de que os seus guias sabem o que é melhor para você e podem te sabotar quando você faz algo que vá contra isso (seu contra-argumento é a pergunta: por que eles só agem quando você se prejudica com magia? Onde eles estavam quando ele comprou uma casa logo antes do crash imobiliário?)… porém eu acredito que, apesar do meu respeito pela obra dele (que eu já recomendei antes), esse é um dos casos em que ele é simplesmente americano demais e parece ter uma certa dificuldade para entender o quadro maior das questões espirituais. Sam Block, mais uma vez, me parece fazer um trabalho melhor e mais profundo, inclusive filosoficamente, no post, em seu blog, intitulado When God Says No.
Como dito no meu segundo texto de magia de prosperidade, karma negativo pode ser um impeditivo também para magia de manifestação e, apesar de muita gente ter suspeitas quanto ao modo como o conceito foi importado para o Ocidente, o fato é que existem técnicas budistas para manipulação e purificação do karma, que incluem mantras como Om Mani Padme Hum e o mantra de Vajrasattva, que dão resultado, você gostando ou não do conceito de karma. E eu acredito ainda que, dependendo das forças às quais você se associa, é possível que elas tenham sim um papel mais ativo em planejar o seu destino, o que pode frustrar certos desejos mais baixos, com ou sem magia. O que a gente faz e consegue fazer se vê sempre num jogo de forças complexo entre a nossa vontade pessoal e todas as forças que podem oferecer um impulso adicional ou resistência. Pode parecer meio barato chegar a essa conclusão, mas a nossa mente de fato não dá conta de compreender tudo (ela já não dá conta de compreender direito, no âmbito mundano, fenômenos sociais complexos, que dirá isso), porém, como o último item da nossa lista, eu entendo que botar a culpa nessas superestruturas metafísicas deve ser algo como um último recurso e não um problema recorrente. Na dúvida, convém perguntar para uma entidade numa gira, conjurar algum anjo ou outra inteligência superior para perguntar qual é ou, no mínimo, consultar um oráculo. Às vezes é possível contornar a questão (com purificação do karma, por exemplo), mas, quando não, ouvir a explicação diretamente de uma entidade pode ajudar a entender melhor e tirar aquela sensação de revolta e impotência que um ritual malsucedido traz.
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No mais, deixo aqui uma última dica para iniciantes. Há uma diferença muito clara entre uma falha fundamental e uma falha eventual. Se você não tem método, se cada ritual que você faz é estruturado de qualquer jeito e chama qualquer coisa, aí não tem mesmo como ter um controle e os resultados vão ser imprevisíveis. Isso é uma falha fundamental: o ritual não atinge o objetivo, porque é possível que você não estivesse de fato fazendo nada magicamente (nisso, ter alguma sensibilidade energética ajuda muito, porque dá para distinguir quando tem energia de fato fluindo ali e quando você está tentando ligar um aparelho que está fora da tomada). Por isso, o primeiro passo para quem está começando é, a meu ver, chegar a um formato que funcione para você, e aí testá-lo mirando em objetivos factíveis. Se você tem um formato funcional e testado, você consegue ter uma ideia também da sua força, dos seus limites, e uma falha assim pode não te abalar tanto, porque você sabe que aquilo já funcionou no passado. Depois, conforme você pega confiança e desenvolve sua força, dá para experimentar com o formato e tentar coisas mais improváveis.
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- Meu exemplo favorito desse tipo de história é o belo besteirol que é o filme Endiabrado (2000) com o Brendan Frasier, em que cada pedido que o personagem de Frasier faz ao diabo para conquistar a sua amada acaba sendo pervertido de formas inesperadas. ↩︎
- Bem, só para ser chato, dá sim para manipular o clima por meios mundanos, como prova o aquecimento global, mas o que eu quis dizer é que não tem como fazer nada, na prática, para afetar o tempo de forma pontual, como fazer chover ou parar de chover em um dado dia (a não ser que você acredite em teorias conspiratórias ligadas ao HAARP) ↩︎