Magia de velas
Se tem um objeto em particular que as pessoas associam ao ato de fazer magia, é a vela. Sendo um método de iluminação de ambientes um tanto antiquado, existem apenas três ocasiões em que acendemos velas, de modo geral: quando acaba a luz, em jantares românticos ou para preces e rituais. Um tempo atrás, eu vi uma tirinha na internet (que eu não achei mais) com a piada de que as velas ritualísticas que se via em cena eram para um encontro romântico com um demônio — assim fica sugerido que, em alguns raros casos, essas duas últimas funções podem ser combinadas. Mas não recomendo.
Eu vinha querendo escrever um texto sobre o assunto fazia um tempo, mas recentemente pude testar algumas coisas novas, dei uma aula para os inscritos no nosso canal do Telegram sobre magia de manifestação, também conferi um post da Yara Ferreira no seu Instagram (sigam ela lá!) e tive umas conversas com a Maíra, e assim consegui botar as ideias em ordem. Então lá vamos nós!
O simbolismo da vela, é claro, é muito condizente com os seus usos rituais: é um objeto sólido, de cera, mas que se transforma em líquido e depois em algo intangível, que é o fogo e o calor, o ar quente que sobe… então vai sendo consumida até não restar nada. Encontramos os quatro elementos aí, com a cera sólida representando a terra; a cera derretida, a água; e na chama e no ar quente ao seu redor o fogo e o ar. No mais, há uma simbologia muito clara de sutilização na ideia de um objeto sólido consumir-se até o fim. Nos sacrifícios homéricos, a carcaça do animal era imolada pelo fogo e o que subia ao céu, sendo agradável aos deuses, era a fumaça. Nesse processo, é como se as coisas imoladas levassem consigo as nossas preces aos domínios celestes.

Do modo como eu entendo, há umas três funções, pelo menos, associadas à vela, e um mesmo ritual pode inclusive usar uma mesma vela para mais de uma função ao mesmo tempo. Tem a função de oferenda, em que a queima da vela é ofertada como um agrado para uma dada divindade ou outro ser espiritual. Mas, mesmo no caso de você não estar oferecendo-a a ninguém (anjos, por exemplo, geralmente não são de aceitar oferenda), a vela é ainda um tipo de foco para o ritual, recebendo, acumulando e liberando as energias ali reunidas. Por fim, sendo também um foco de luz, a vela ilumina o seu espaço… no sentido literal e figurativo. Uma prática, por exemplo, que eu aprendi com o Sam Block logo no começo dos meus trabalhos, quando descobri o seu blog, é começar todos os meus rituais acendendo uma vela branca genérica, com uma prece simples, simbolizando a luz do divino, que deve abençoar todo o trabalho. Eu utilizo a prece inicial do seu framing rite, retirada dos PGM: “Eu te conjuro, Ó Fogo, dáimon do santo Amor, o invisível e múltiplo, o uno e onipresente, para que habites esta luz neste momento, reluzente, sem te apagares, pelo comando de Aiōn! Sê grande, Ó luz! Vinde, Ó luz! Ergue-te, Ó luz! Eleva-te, Ó luz! Vinde, Ó luz de Deus!”
Assim sendo, considerando a versatilidade desse objeto simples, um feitiço igualmente simples de velas é a base para muitos trabalhos e pode ser um bom ponto de partida se você não sabe ainda por onde começar – não por acaso, para aludirmos mais uma vez ao Sam, ele se refere comicamente ao ato de fazer magia como “gritar com uma vela”. De novo, do modo como eu entendo, um ritual de magia de velas, mesmo que não esteja chamando por nome nenhuma força específica, age criando um padrão energético. Uma boa comparação seria com um violão ou outro instrumento: cada corda no violão agita o ar de uma forma, produzindo sons variados. Ao tocarmos uma dada sequência de notas com um certo ritmo, estamos produzindo um padrão, com um dado efeito — podemos perceber a música como alegre, triste, animada, marcial, romântica, etc. Um ritual faz algo parecido, criando essas ressonâncias que vão produzir o efeito desejado com base nos elementos que você tem no seu altar.
Um exemplo interessante é o de um livro da Anna Riva, intitulado Candle burning magic, que é dedicado inteiramente ao assunto. Vemos abaixo a fórmula da p. 55, “para acalmar uma condição conturbada”:

Este ritual para pacificar uma dada situação inclui o uso de quatro velas, arranjadas uma em cada canto do altar, de acordo com a imagem: duas brancas, uma marrom e uma vela pessoal cuja cor varia de acordo com a pessoa envolvida (ela oferece uma tabela no começo do livro contendo as cores que dependem do signo solar do praticante ou do “alvo”). Além disso, há também o uso de incenso e óleos. As velas brancas representam algo como a presença da luz divina, que eu mencionei acima, e é o que ela usa para rituais benéficos (são empregadas velas pretas para rituais maléficos, em contraposição). O óleo aplicado nessas velas é o chamado “holy oil”, que eu entendo que seja o óleo sagrado mencionado na Bíblia que inclui mirra, canela e cálamo, entendido também como uma das receitas do chamado óleo de Abramelin — condizente com a sua função de representar a luz divina e abençoar o trabalho. Sobre a vela pessoal, é aplicado um óleo de Júpiter, utilizando as correspondências desse planeta; e sobre a vela marrom, um óleo de patchouli. Ambos têm uma função de prosperidade, mas aqui a aplicação é outra. Entendo que se está apelado ao poder de Júpiter como um planeta benéfico (por isso útil para todas as questões benéficas) e às propriedades de relaxamento do incenso de lavanda e do óleo de patchouli… possivelmente com um apelo à sua natureza terrosa (daí a vela marrom, talvez? Eu confesso que não consegui intuir muito bem uma lógica mais geral ao uso de velas marrons na obra da Riva). Tudo isso cria um padrão energético que é orientado pela afirmação na direção do objetivo almejado.
O livro da Anna Riva é interessante para se ter umas ideias, mas eu não recomendo usá-lo ao pé da letra a não ser que você tenha milhares de reais investidos em óleos e incensos variados (aos quais muitas vezes ela alude pelo nome comercial e não pelos ingredientes… o que é um saco, porque, né? Que mané comprar incenso “conquering glory”, a gente está no Brasil!). Além do mais, entender como funciona o mecanismo por trás dos rituais para depois adaptá-los conforme a sua necessidade é mais produtivo, acredito, do que depender de receitas prontas, porque aí você consegue criar uma receita personalizada para o que você precisa.
Para criar um ritual de magia de velas, eu acho interessante partir da abordagem do sanduíche (pois é, estou cheio de analogias neste texto). A vela é como se fosse o pão, o princípio organizador e estruturador. Em tese, você pode comer pão puro — e alguns pães são gostosos o suficiente para isso —, mas a ideia é ir acrescentando outros elementos a partir disso. Quais elementos? Bem, é o que vamos ver agora.
A vela em si
Há muitos tipos de vela: velas de cera, velas de parafina, vela palito, vela rechaud, vela de 7 dias… além de velas com formatos especiais. No canal de hermetismo The Hermetic House of Life no Discord já vi até sugerirem fazer magia com velinha de aniversário (o que eu pessoalmente nunca testei). Eu sou pragmático, então para mim, nesse quesito a melhor vela é a que tiver à mão. Óbvio que, se você é uma pessoa com dotes manuais para o DIY e tiver como fabricar suas próprias velas, tanto melhor, porque já pode começar a depositar sua atenção, sua intenção e sua energia desde o começo. Eu mesmo uso velas palito, adquiridas na loja de umbanda mais próxima, que geralmente demoram em torno de 4 a 5 horas para queimarem por inteiro, e às vezes uso de 7 dias para trabalhos mais fortes e prolongados. Mas uma vela rechaud pode ser uma boa alternativa, mais segura, caso você tenha gatos, por exemplo, que podem querer derrubar a sua vela do altar.
Depois temos a simbologia das cores da vela, um desenvolvimento moderno possibilitado por uma maior disponibilidade de pigmentos. Como dito, eu gosto de ter uma vela branca normal no altar sempre e depois usar velas coloridas para propósitos condizentes à sua cor. Em termos de simbologia de cor, é bom dar uma estudada nas escalas variadas, por assim dizer. Em livros de autores anglófonos, existe um arranjo mais ou menos coerente que parece ser orientado pelas práticas de folk magic, especialmente associadas ao Hoodoo norte-americano. Para ilustrar essas possibilidades, eu conferi livros de três nomes populares (o da própria Anna Riva, o da Rachel Patterson e o do Christopher Warnock) e compilei uma lista de cores e seus propósitos, que vocês podem conferir neste .pdf aqui (prefiro colocar assim à parte, para não atrapalhar o fluxo do texto).

No Brasil eu entendo que também predomina a lógica das práticas de matriz africana, e é comum fazer magia de velas orientado pelo modo como se faz na umbanda. Além de ter uma cor de vela para cada tipo de entidade e Orixá, há também correspondências entre cores e propósitos. Existe, claro, certo grau de sobreposição entre os sistemas – usar vermelho para trabalhos de paixão, por exemplo, é recorrente, mas o verde no Hoodoo é usado para dinheiro, enquanto aqui, pelo menos em uma das versões, verde é para cura e usa-se laranja para prosperidade. Mas isso também não é dogma e há variações. Na dúvida, vale explorar e descobrir pessoalmente qual sistema funciona melhor para você.
Outra possibilidade ainda é se orientar pelos sistemas mágicos da chamada “tradição esotérica ocidental” (um nome péssimo, mas é o que tem, né), abstraindo as necessidades de acordo com os 4 elementos clássicos e os 7 planetas. Daí que é comum usar vermelho para magia do fogo; amarelo para o ar; azul para água; e verde, preto ou marrom para terra; branco, prata ou lilás/roxo para a Lua, laranja para Mercúrio, verde para Vênus, amarelo ou dourado para o Sol, vermelho para Marte, azul para Júpiter e preto ou roxo escuro para Saturno. O uso dessas correspondências, no entanto, acrescenta uma camada a mais de complexidade. Primeiramente, porque não se trata de conferir uma tabela para ver qual cor corresponde ao seu intuito diretamente: primeiro você precisa pensar no elemento ou planeta que tem a ver com seu desejo e aí conferir a cor equivalente. Por exemplo, magia de prosperidade costuma ser ser feita com Mercúrio, Sol, Júpiter e Vênus (velas laranja, amarela, azul ou verde) ou ainda com o elemento terra e até mesmo fogo (verde e vermelho). Magia de amor pode ser feita também com fogo ou com água (depende se você está mirando na parte da paixão sexual ou da conexão emocional) e com o planeta Vênus. Para intuição e questões psíquicas, faz-se magia de água e com a Lua (vela roxa) e para ajuda nos estudos, geralmente recorre-se ao ar (amarelo) e a Mercúrio ou Júpiter. E assim por diante. Depois, tem o fato de que passa a ser interessante prestar atenção no timing astrológico, o dia e a hora dos planetas, sua posição no céu, etc. E aí o ritual fica mais complicado.
Por fim, uma coisa legal das velas é que é possível escrever nelas usando qualquer coisa que tenha uma ponta firme, como um cristal pontiagudo ou até mesmo um prego. Você pode escrever o seu pedido, em termos gerais, na lateral da vela, como PROSPERIDADE, ou então gravar símbolos. Como consta no post da Yara, a recomendação é escrever de cima para baixo para atrair coisas e de baixo para cima para afastar coisas.

No caso da magia astrológica, há uma série de caracteres mágicos para cada planeta descritos no Picatrix, por exemplo, que são fáceis de gravar na cera, e na magia geomântica, há também sigilos que constam em Agrippa para cada uma das 16 figuras. Eu pessoalmente ando me interessando nos últimos tempos em explorar as possibilidades dos caracteres mágicos dos PGM, acompanhando a pesquisa da Dra. Kirsten Dzwiza (@antikemagie no Twitter). O próprio ato de gravar as velas com atenção e intenção já é um ato mágico em si e o começo do ritual.
Outra técnica bastante comum é o uso de velas que representem pessoas. Você pode, por exemplo, utilizar uma vela para representar prosperidade e outra com o seu nome ou nome de alguém que você queira ajudar, então começar o ritual com as velas separadas, mas ir aproximando uma da outra ao longo de minutos, horas ou dias. O contrário também é útil para afastar pessoas e situações indesejadas.
O número de velas que você vai usar no seu ritual também pode ter um significado… se você não for muito mão de vaca e usar uma vela só. Como dito, eu gosto de usar duas, no mínimo — a vela branca da vez que estiver no altar e uma vela mais específica —, mas cada ritual tem a sua especificidade. Você pode se orientar por algum sistema numerológico, como o que se observa na numerologia de “caminho de vida” (vide este post do blog da Benebell Wen), segundo a qual o número 1 remete a individualismo, independência e liderança, enquanto o 2 tem a ver com diplomacia, mediação, o 3 com criação e celebração, etc. Outra possibilidade é a numerologia da Cabala, que remete ao número 4 para a sefira de Chesed, misericórdia, no caso de bênçãos, e ao número 5, Geburah, severidade, para… bem, o contrário de bênçãos, e assim por diante. A magia astrológica tem os seus próprios números equivalentes aos planetas e no caso da geomancia é interessante criar com as velas o desenho das figuras geomânticas em si (o que vai exigir qualquer coisa entre 4 e 8 velas). Em magia com o tarô, você pode usar velas com uma cor equivalente ao elemento e o número do arcano, para arcanos menores — 6 velas vermelhas para o 6 de paus, por exemplo, num ritual mágico para obter vitória em uma dada situação.

Por fim, é interessante ungir as velas com óleos que tenham a ver com o trabalho. No caso de um ritual de Júpiter, pode-se usar 4 velas azuis (pois é o número de Júpiter em Agrippa), gravadas com símbolos de Júpiter e o seu intento, depois ungidas com óleo de noz-moscada ou hortelã. Para magia geomântica de prosperidade, usaríamos o símbolo acquisitio, como se vê acima, que exigiria 6 velas, possivelmente também azuis (pois acquisitio é uma figura jupiteriana), gravadas com os devidos símbolos e também ungidas com óleo de noz-moscada. Para magia de fogo, canela é um opção óbvia (só cuidado porque arde), patchouli para terra, e por aí vai. Se nos orientarmos pelo Hoodoo, magia de dinheiro seria feita com uma vela verde com algum tipo de money-drawing oil (frequentemente usando louro, bayberry, canela, hortelã, heliotrópio, tomilho, etc).
Dê preferência a óleos naturais e, se consagrá-los antes, melhor ainda (eu já publiquei aqui, no post sobre fórmulas babilônicas, um exemplo de um ritual de consagração ou aplicação de óleo na linha mágica mesopotâmica). Saudar, comandar e agradecer/abençoar os elementais do óleo enquanto o aplica também confere uma força adicional pelo ato de reconhecer a força vital que habita no material.
Outros objetos no altar
Se a vela é o pão do sanduíche, então com o que vimos até agora já não temos mais um pão branco seco… uma vela escolhida pensando na sua cor, gravando símbolos e ungindo-a com óleo já é um pãozinho mais chique, um pão com manteiga ou azeite e orégano. Agora podemos pensar em complementar o altar com outros componentes.
Escolher um bom incenso é um ótimo complemento ao óleo. De novo, prefira os incensos mais naturais, com maior presença de resina vegetal de fato (comprar resina e jogar no carvão é o melhor, mas os palitinhos também servem, quando são de boa qualidade). Incenso de 1,99 até pode ajudar com alguma questão de correspondência psicológica, mas não vai ter o auxílio dos elementais naturais, com os quais você também pode se comunicar, assim como fez com os óleos. Queimar ervas secas também é uma boa opção.
Como dito, você pode usar velas para representar um teatrinho simples de magia simpática, mas o uso de efígies e outras coisas que representem as pessoas envolvidas também é possível — há uma lógica sólida por trás da prática do “boneco de vudu” contendo algo que pertença a pessoa, como um fio de cabelo para fazer a conexão, apesar de não ter nada a ver com o vudu real. Outra possibilidade é fazer magia com o mapa astral seu ou da pessoa para quem você estiver fazendo o trabalho. Além de representar uma conexão pessoal, dá para trabalhar com as casas do mapa, posicionando, por exemplo, uma vela preparada para magia de prosperidade na casa 2 para magia de dinheiro (10 no caso de coisas que envolvem avançar a carreira), 5 para prazeres, criatividade, fertilidade e 9 para estudos, viagens e espiritualidade, etc. Bônus se você trabalhar com o anjo zodiacal que rege a casa em questão no mapa da pessoa (veremos um pouco disso em nossos Tópicos Especiais do curso de Magia Astrológica).

Na magia com o tarô, o arcano a ser invocado é, claro, uma presença óbvia no altar, junto com algo que represente o elemento em questão. Nos sistemas da Golden Dawn/Thelema/Wicca, temos as 4 ferramentas — varinha, adaga/espada, cálice e pentáculo —, mas ninguém é obrigado a se ater a esse modelo tradicional. Qualquer objeto que tenha a ver com a magia sendo trabalhada pode ser incorporado. Estatuetas e flores, objetos metálicos (há correspondências ainda entre certos metais e os planetas), livros. Pedras também são interessantes, se essa for a sua praia — mas não é só comprar e colocar direto no altar, é importante limpar e consagrar antes, além de manter uma rotina de limpeza. Tudo isso enriquece a experiência.
E assim o ritual, que começou com uma única vela singelinha, aos poucos se torna mais elaborado.
Elementos verbais
Essa é a parte que pega boa parte dos iniciantes. Beleza, reuni toda a parafernália sobre o altar, acendi as velas todas, e agora? Fico parado olhando?
Bem, você pode… inclusive é um bom exercício meditar sobre a chama das velas. Mas, considerando o tempo médio que demora para uma vela palito queimar, acho que a maioria das pessoas não tem o treinamento necessário para meditar durante 5 horas seguidas. Se você quiser fazer um trabalho de longo prazo, pode acender as velas, meditar sobre a chama e visualizar o seu intento, tentando manter a imagem na sua mente o quanto conseguir. Depois, apaga e repete no dia seguinte. Com 10 minutos por dia, você deve dar conta de consumir a vela inteira em um mês, mais ou menos. Antes de entrarmos ainda nos méritos das fórmulas mágicas, é interesse lembrar que também é possível recorrer a gestos ritualísticos com a mão e o corpo todo com mudras, poses e até mesmo danças e circumambulações.
No livro da Anna Riva, ela inclui afirmações a serem feitas, que você pode repetir um dado número de vezes que seja condizente com o trabalho sendo conduzido. Mas há outras possibilidades. Para quem tem afinidade com a espiritualidade abraâmica, salmos são sempre uma boa opção. Já falei disso aqui antes (neste post): com os salmos é só escolher um deles que tenha a ver e recitar com gosto algumas vezes durante o ritual (7 sendo um bom número). Fórmulas em hebraico também são uma técnica predileta na Cabala hermética, além da possibilidade de rituais usando o enoquiano, a “língua dos anjos” recebida por John Dee… o Dr. Al Cummins, de novo, tem um livro recentemente publicado, com o título Nazarth: Pillars of Gladness, só sobre fórmulas enoquianas para serem usadas na magia geomântica. Na Escandinávia, existe ainda a tradição das historiolas, pequenas fórmulas narrativas usadas na magia popular e que já foram tema de um episódio do Glitch Bottle.

No domínio das alternativas mais pagãs… quem já deu uma olhada nos PGM, deve ter visto que há rituais que utilizam versos de Homero, e imagino que a épica antiga seja uma fonte rica de material mágico, ainda que eu pessoalmente não tenha testado (e eu ainda venho levantando a hipótese de trabalhar com trechos do Épico de Gilgámesh). O tarô dos PGM do Jason Newcomb, por exemplo, utiliza essas fórmulas. E há ali entre as suas voces magicae uma grande riqueza de fórmulas que podem ser usadas como mantras também, incluindo as sequências das vogais com suas correspondências planetárias.
No caso de magia elemental, temos as preces das salamandras, silfos, ondinas e gnomos que constam em Dogma e Ritual da Alta Magia, de Éliphas Lévi, e no meio da magia astrológica, os hinos órficos são também muito populares (eu particularmente recomendo que vocês utilizem a versão do Pedro Barbieri Antunes, disponível na sua dissertação que pode ser baixada no repositório da USP neste link aqui). Os hinos órficos, é óbvio, também são úteis para quem trabalha com divindades gregas (mas eles podem ser utilizados na magia astrológica sem necessariamente você estabelecer um trabalho com essas divindades… é um pouco complexo). E, claro, os louvores babilônicos que eu venho publicando aqui no site fazem esse papel igualmente com as divindades da antiga Mesopotâmia. No caso de deuses hindus, como o simpático Ganesha, temos os seus mantras, tradicionalmente repetidos em sequências de 108 vezes. Só que é importante frisar que, quando trabalhamos com deidades, eu não acho muito legal já chegar de cara fazendo rituais para pedir coisas. Exceto quando há outra pessoa conduzindo o ritual, é mais produtivo estabelecer uma boa relação antes disso, até mesmo para criar uma conexão que vai fortalecer o trabalho.
O que nos leva a mais uma questão: até o momento, podemos dizer que o trabalho sendo feito seria puramente energético, no máximo amplificado pela força de componentes de magia natural. Agora, com os elementos verbais, aí já começamos a entrar no reino do trabalho com consciências incorpóreas… a invocação de divindades e outras forças inteligentes. Isso não quer dizer que elas não estejam presentes num ritual de velas simples só porque não foram chamadas (ao meu ver, todo mundo que pratica magia tem a sua equipe, além do ecossistema local, que vai influenciar os trabalhos), mas quando chamamos essas forças intencionalmente, aí, bem… é importante acomodar o trabalho para que o seu envolvimento seja o mais tranquilo possível. O ritual pode ser amplificado pela invocação de um deus, de anjos, ancestrais e de espíritos variados… e aí o céu é o limite. Cada entidade vai ter uma liturgia de sua preferência, e é importante construir o ritual respeitando essa proposta.
Para encerrar, alguns comentários de ordem mais mundana: a não ser que você faça um ritual do tipo que envolve trabalhar por alguns minutos todos os dias, acendendo e apagando as velas, é importantíssimo que você tenha alguma coisa para proteger as suas velas, para evitar que elas ponham fogo em tudo. Não acenda vela perto de coisas inflamáveis, perto de cortinas, nem nada do tipo, e use um porta-velas firme e confiável quando não puder ficar perto delas até terminarem de queimar. Vocês não querem fazer que nem a dona que foi acender a vela para o anjo da guarda do lado de uma lata de inseticida em cima da geladeira e acabou explodindo a cozinha.
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Ufa! E isso conclui a nossa introdução ao assunto. Imagino que, para os praticantes mais veteranos, não deva ter muitas novidades aqui (embora eu ache que é sempre bom revisitar o básico de quando em quando), mas pode ajudar a dar uma luz para os iniciantes. Para quem quiser saber mais, eu exploro o passo a passo da construção de um ritual de prosperidade num texto anterior aqui do site (link aqui) e também, como dito, recentemente disponibilizei, no nosso canal do Telegram, uma breve aula gratuita, em vídeo, sobre magia de manifestação. Também temos turmas abertas para alguns dos cursos de outubro de Magia Astrológica no momento (só conferir aqui na aba cursos) e recentemente começamos a oferecer serviços de atendimento individual (clicando aqui) – então, se você quiser construir uns rituais e não souber muito bem como, é só me chamar que a gente dá um jeito.