Cuidados com o tarô – parte II: a ritualística
Na primeira parte deste texto, vimos a questão da consagração do baralho. Como dito antes, toda aplicação propriamente divinatória do tarô – i.e. quando fazemos uso dos arcanos para adquirir informações que não estão disponíveis a nós de outra forma – é um ato mágico. E pequenas coisas que a gente faz, como consagrar o baralho e ter uma abordagem minimamente ritualizada para tirarmos as cartas, contam muito para nos proteger nesses momentos. São pequenos cuidados que “mantêm as coisas em ordem, as lentes limpas e as engrenagens azeitadas”, como eu falei no outro texto, para resumir. Você pode até não sentir tanto essa necessidade se você joga só de vez em quando e não costuma tirar cartas para outras pessoas, mas a partir do momento em que você começa a ter um contato mais intenso com a prática divinatória e com a energia dos outros, esses cuidados podem ser a diferença entre uma prática saudável e uma dor de cabeça sem fim. Se você pretende trabalhar com isso, essas questões são simplesmente cruciais para manter a sua saúde energética a longo prazo.
Quando eu falo em “ritualística” aqui no título do texto, é claro que estou tentando ser sucinto e resumir as coisas numa palavra só, e acho que o termo encapsula bem o significado do que vamos tratar. Mas as pessoas às vezes ficam com a impressão de que precisa fazer uma coisa muito elaborada, complexa, cheia de rococó… e não é o caso. Claro que, se você quiser abrir e fechar as suas sessões oraculares com um ritual como o RmP, você pode, mas não é obrigatório (e, assim, tudo bem que o RmP também não é a coisa mais complexa do mundo, mas muitos iniciantes se sentem intimidados com as palavras em hebraico e tudo o mais).
O que eu acho importante, resumidamente, são três componentes:
- Abrir e fechar a sessão
- Delimitar um espaço para o trabalho oracular
- Ter práticas de limpeza
Dentro disso, você pode prosseguir como quiser. Quem me lê sabe que eu não sou de oferecer estruturas rígidas de como eu acho que você deva agir. Nada daquela coisa tipo “ou tem que ser exatamente assim ou está errado”. Tem bastante margem de manobra dentro dessas possibilidades.

Primeiramente, a questão de abrir e fechar a sessão. Em toda operação mágica, é legal estabelecer pontos de começo e fim. É claro que a magia não para quando o ritual acaba, mas é uma formalidade útil. Na abertura a gente saúda as forças que estão conosco e solicita o seu auxílio, sua capacidade de visão e proteção. Uma fórmula útil para se abrir os trabalho é a prece preliminar que apresentamos no ritual de consagração:
“Ao Ser Supremo, Pai Divino e Mãe Divina, aos Grandes Seres de Luz, Anjos, Arcanjos, Professores Espirituais, Ajudantes Espirituais e todos os Seres Excelsos. Aos meus Guias, à minha Alma e minha Divina Presença. Peço humildemente por Bênçãos Divinas, Proteção, Amor, Ajuda e Poder”.
Recite essas palavras após separar alguns segundos para respirar fundo e dar uma limpada nos pensamentos. E aí podemos acrescentar também uma declaração como: “Com o vosso auxílio, declaro aberta esta seção oracular. Que a verdade habite nestas cartas. Que assim seja”.
Para um iniciante, recitar essa fórmula com atenção e intenção já deve bastar. Essa fraseologia é bastante genérica e compatível com práticas variadas e mesmo com iniciantes que ainda não têm uma prática desenvolvida. Se quiser acender uma vela branca e fazer alguns exercícios de respiração mais complexos antes, também está valendo.
E aí, conforme você for se aprofundando nas suas práticas, você pode ir modificando a fórmula e somando nomes mais específicos. Por exemplo, dá para incluir o nome do seu Sagrado Anjo Guardião, daimon pessoal ou do espírito da sua natividade (tal como Warnock ensina a contatar em seu The Celestial Way, no rastro de Agrippa). Você pode pedir a ajuda de entidades específicas que te acompanham ou invocar a ajuda de anjos, como HRU, o anjo do tarô, segundo o pessoal da Golden Dawn, além de divindades, mesmo que não sejam divindades que tenham a ver com o tarô especificamente.
Eu, por exemplo, sempre invoco os deuses divinatórios do panteão mesopotâmico, Shamash, Sîn e Adad, e incluo a frase ina ikrib akarrabu / kittam šuknam, “que nesta prece que eu faço haja a verdade”, como vimos anteriormente. Sam Block, do blog Digital Ambler, com frequência fala em invocar Hermes, o deus grego que rege, entre outras coisas, práticas divinatórias. E daí por diante. Essa parte, como podem ver, é muito pessoal e vai de cada um. Eu nunca vou falar que você precisa invocar Shamash, Sîn e Adad, porque é óbvio que não é o caso, mas é o que eu faço. Você provavelmente vai ter afinidade com outras forças, e isso não é um problema. Mas recomendo que, se você estiver seguindo um caminho mágico-espiritual, essa afinidade com alguma força exista. Ter alguém para cuidar de você é sempre bom, e se você for fazer tiragens para perguntar de coisas espirituais, isso é uma necessidade. É possível usar o tarô (e outras ferramentas divinatórias) para diagnosticar ataques mágicos, por exemplo. Mas é ingenuidade achar que dá para sondar esse tipo de coisa de boas sem se contaminar também se não cuidar. Nessas horas, é bom ter camadas de proteção, e essa é uma delas.
E isso nos leva à outra questão. Como qualquer outra operação mágica, é interessante delimitar o trabalho oracular a um espaço específico. Muitos rituais envolvem traçar um círculo, por exemplo, ou estabelecer e saudar as quatro direções, mas um método clássico e simples aqui para tirar tarô é usar a famosa toalhinha. Frequentemente ela vem junto com o baralho como brinde. Ela não serve apenas para proteger as cartas fisicamente, mas também para determinar que o trabalho vai acontecer ali, no espaço que você separou para isso.
(Geomantes que eu acompanho como o dr. Al Cummins também usam contas de cristal, tipo um mala, para delimitar o espaço ao jogar os dados, por exemplo. Mas a circunferência das contas é pequena demais para cartas.)

O espaço em que vamos jogar cartas, runas, geomancia ou outra coisa é importante. Eu não recomendo você jogar num bar, por exemplo, ou outro lugar sujo e bagunçado. Sujeira energética, energia caótica e os seres que habitam esses lugares podem facilmente desvirtuar a leitura, e aí é preciso trabalhar dobrado para evitar isso. A Josephine McCarthy tem um capítulo interessante em seu livro Tarot Skills for the 21st Century, intitulado “Who is talking to you?”, que trata de uma questão que é raro a gente ver ser comentada em livros sobre o tema. E lá ela diz: “Às vezes os seres vão manipular não apenas a leitura em si – quais cartas vão sair – mas também o modo como você interpreta essas cartas: literalmente, eles podem mexer com a sua cabeça”. Isso pode até ser útil, em certos contextos: quando temos diante de nós um dado ser conjurado, como um anjo ou inteligência, e queremos utilizar o tarô para nos comunicarmos com ele diretamente, podemos conceder esse acesso para facilitar as coisas. Mas, quando eu estou fazendo uma tiragem normal, eu não quero saber qual é a opinião de um kiumba da esquina sobre o que está sendo perguntado.
Como eu sempre digo, se você tem um cômodo na sua casa que você pode dedicar exclusivamente para práticas mágicas e espirituais, então esse lugar vai ser o melhor espaço possível para você fazer suas tiragens. Mas entendo, claro, que a maioria das pessoas não tem esse privilégio de um cômodo só para essas coisas. Se você tem um altar (mesmo que não seja num cômodo exclusivo), quanto mais perto dele, melhor. Se você faz suas práticas direitinho, o cômodo do altar deverá ser mais limpo do que o restante da casa. Se não tem, tudo bem. É só achar um espacinho na mesa, abrir a sua toalhinha e recitar sua prece preliminar.
Outros objetos também podem ser usados. Se você quiser ser bem caxias na ritualística, dá para usar objetos que representem os quatro elementos, por exemplo, e colocar cada um num canto. Também é possível fazer invocações das forças dos elementos como parte do trabalho preliminar. Mas isso também vai de cada um.
E, já que tocamos no assunto da limpeza… Como dito, o seu quartinho dos rituais, se existe, deve ser o lugar mais limpo da casa. Por isso, não acho que precise limpá-lo antes de abrir o jogo. Mas, se for jogar em outro lugar – na sua sala, por exemplo, onde você vive o seu dia a dia, trabalha, se estressa, assiste filme e fofoca com os amigos – fazer alguma coisa para dar uma limpadinha é sempre bom. Eu falo disso no texto sobre limpeza e tenho também um curso introdutório sobre o assunto. Você pode defumar o espaço, usar borrifos de álcool com cânfora e/ou óleos essenciais, preces, salmos, banimentos, mantras e técnicas energéticas. Tem muitas opções aí. A alternativa preguiçosa, porém eficaz (e que pode ser combinada com outros métodos), é ter um celular ou player de música o tempo inteiro ligado tocando baixinho o mantra OM.
É bom fazer algo antes e depois, especialmente se for tratar de algum assunto delicado, que vá mexer com as emoções, ou ao atender alguém. A Josephine McCarthy recomenda manter uma postura equilibrada, de desapego e autocontrole emocional. Diz ela: “Parasitas são atraídos pela emoção – um dos muitos motivos pelos quais é importante controlar o emocional ao se fazer leituras divinatórias. Se você faz uma leitura e sai algo ruim, a maioria dos leitores tem um reação emocional imediata. Se não controlarem essa emoção imediatamente, mas começarem a fazer outras leituras obsessivas e emotivamente motivadas a fim de obter mais informações, aí eles se expõem a um alto risco de um frenesi alimentar de parasitas. O leitor sofrerá manipulação emocional para interpretar o pior da leitura sob a pior luz possível”.
É bem provável que você tenha visto algo assim já. No geral, as pessoas ficam muito obcecadas com leituras amorosas (minhas amigas cartomantes já relataram mais de um caso de gente pedindo uma LEITURA DE EMERGÊNCIA… e, claro, era para perguntar de homem). E nesses casos é fácil alguém acabar jogando repetidamente e cair na mão desses bichos.

Eu quero deixar muito claro que eu não estou dizendo que o tarô é para ser um negócio sagrado que você só consulta para perguntas muito, muito sérias. Não, eu gosto de usar o tarô para perguntar, por exemplo, “será que esse prestador de serviço vai fazer as coisas de boas ou vai dar dor de cabeça?”, “será que essa vaga de emprego vai prestar?”, etc. E, sim, já usei para conferir se valia a pena sair com alguém ou não (e uma vez, muitos anos atrás, me arrependi amargamente de não ter dado o devido respeito ao resultado do jogo). Mas você perguntar “fulano/a gosta de mim? vai querer ficar comigo? vai querer casar?”, já na ansiedade, receber uma negativa e perguntar de novo, com alguma pequena variação, esperando que a resposta mude, e fazer isso de novo e de novo, sempre sentindo aquele pico emocional a cada resultado… aí é pedir para dar ruim. No caso de questões muito sérias, que você pode não estar com o emocional preparado para lidar, o melhor é consultar alguém que seja profissional. Agora, se você é o profissional, é bom que as limpezas e proteções estejam em dia, porque para ficar bichado é só bobear.
Então, resumindo: é bom limpar tudo antes de abrir o jogo, se você não estiver jogando dentro de um espaço já limpo e consagrado. Depois, entre um consulente e outro e ao término da sessão, eu recomendo dar uma limpadinha também. Se a sua consulta demorar algo em torno de uma hora para cada consulente, uma boa ideia é acender um incenso bom de limpeza (olíbano, lavanda, sândalo) a cada hora, que já deve bastar. Mas é importante ter também algo mais forte para quando você pegar alguém que esteja carregado. Recomendo evitar perguntas sobre ataque mágico, infestações de seres destrutivos ou coisas do tipo se você não tiver o preparo para isso em termos de técnicas de proteção e limpeza (por sorte, aqui n’O Zigurate temos um curso só sobre isso, olha só).
Por fim, para encerrar a sessão, podemos usar uma fórmula parecida com a que usamos para abrir: “Eu agradeço pelas informações que me foram reveladas. Ao Ser Supremo, Pai Divino e Mãe Divina, aos Grandes Seres de Luz, Anjos, Arcanjos, Professores Espirituais, Ajudantes Espirituais e todos os Seres Excelsos, aos meus Guias, à minha Alma e minha Divina Presença, em reverência e plena fé, eu agradeço. Declaro encerrada esta sessão oracular”. E aí guarda tudo e vai tomar um bom banho, lavar as mãos com água, sabão e sal fino ou fazer algum outro ritual de limpeza pessoal. De vez em quando, é interessante fazer uma limpeza no baralho também, mas isso dá para perguntar para o próprio baralho. Mais uma vez, reitero que essa foi uma das coisas que a Ju Ponzi, do Colégio Ordo Noctuae, explorou com maiores detalhes durante o seu curso de Sensibilização Oracular.
E é isso, gente. De novo, pode parecer complicado à primeira vista, mas não é. Na verdade, são muitas coisas ridiculamente simples e que podem ser feitas de várias maneiras (não existe Um Único Modo Certo e Dogmático), mas que fazem diferença. E, sim, às vezes você pode fazer uma tiragem rápida para conferir alguma bobagem sem tanta cerimônia, mas para quem faz uso constante do baralho eu recomendo fortemente que siga as instruções deste texto, dentro das suas possibilidades.
Só um último comentário agora, para encerrar: quando eu falei dessas coisas um tempo atrás, rolou um pequeno alvoroço que eu não esperava. Aparentemente tem gente que faz as coisas à moda caralha e se ofende quando a gente diz que isso pode dar ruim. E, assim, teve uma época em que eu me sentia meio constrangido a justificar essa minha abordagem zelosa enquanto eu via outras pessoas sendo mais despreocupadas. No entanto, eu tive confirmações recentes, da boca de entidades por quem tenho muito respeito, de que, em termos de práticas espirituais, eu faço as coisas direito. E quando a gente faz as coisas direito, a gente se poupa de dor de cabeça. Se você quer se poupar de dor de cabeça também, então que bom, somos amigos e essas coisas eu escrevo para você de coração. Mas para quem quer encher o saco e arranjar treta por causa de picuinha, eu tenho um conselho amigável: em vez de ficar batendo boca inutilmente nas redes sociais, que tal aproveitar esse tempo para meditar?
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