Avaliando sinais
Eu pensei em dar a este texto o título “Como saber que algo está acontecendo de verdade e não é só coisa da sua cabeça?”, mas achei melhor ser mais conciso.
Esse é um problema que afeta muita gente que está começando, ainda mais quando se pratica sozinho. Quando você aprende magia com outras pessoas, geralmente vai ter alguma coisa, logo no começo, que vai fazer você perceber que isso tudo é real e funciona consistentemente. Costuma ser do interesse de quem ensina, acredito, convencer as pessoas a insistirem e ficarem até o fim, e sempre tem alguém que precisa de um empurrãozinho a mais. Na Cura Prânica, por exemplo, os instrutores, de cara, já vão botar você para pegar na energia, na aura e nos chakras das pessoas, e os efeitos das meditações são também bastante palpáveis (a de Wesak é especialmente poderosa). E quem já se consultou com a Maíra sabe que uma sessão de cura dá uns resultados assombrosos — do tipo finalmente pegar no sono depois de meses de insônia ou passar uma dor chata que vem incomodando faz tempo.
Algumas pessoas têm uma clarividência naturalmente mais aberta, o que também favorece bastante nesse sentido, mesmo que você esteja fazendo tudo sozinho. Você conseguir ouvir e/ou ver os espíritos ou enxergar e sentir as energias é uma mão na roda, porque aí você não fica no escuro e sai fazendo as coisas sem saber aonde está indo. Se tem algum espírito, encosto ou elemental enchendo o saco, por exemplo, e você faz um banimento ou alguma prece de limpeza, você percebe na hora se funcionou ou não (muito útil quando você está experimentando com rituais que não sejam os já consagrados rituais menores do penta- e do hexagrama). E eu nem vou falar nada da sua utilidade para evocação — não por acaso, figuras como John Dee utilizavam scryers (como Kelley) que teriam maior facilidade para se comunicar com as entidades na bola de cristal. O lado negativo é que conviver com essa mediunidade aflorada deve ser um inferno até você aprender a fazer os paranauês direito, já que, até lá, você é basicamente o menininho do filme O Sexto Sentido.

Para quem começa a praticar por conta e não tem grandes mediunidades de nascença, bem… nesses casos, pode ficar uma suspeita de que você não está fazendo nada — “este ritual aqui é eficaz mesmo ou não passa de teatrinho ruim?”. Isso é ainda mais urgente se você vier de um contexto mais cético, e, de fato, geralmente só é muito cético quem não tem mediunidade de nascença, né. Eu lembro das histórias que o Ivo Domínguez conta (autor de Practical Astrology for Witches and Pagans, Keys to Perception e Four Elements of the Wise), de quando ele era criança e um “amigo imaginário” lhe dizia coisas… muitas vezes coisas que ele não tinha como saber e que acabavam sendo comprovadas depois, como o que os seus pais estavam fazendo enquanto ele estava na escola. Nunca me aconteceu algo remotamente parecido com isso, e aí quando minhas circunstâncias de vida me empurraram para o esoterismo, foi com muita desconfiança. Poderia ter sido bem mais fácil se não fosse por isso, e é esse o motivo pelo qual eu estou escrevendo este texto.
É duro quando você é muito cético mesmo (como eu era), porque aí até quando você sente algumas coisas e obtém resultados, permanece a dúvida quanto à realidade do que você está fazendo e à eficácia das suas práticas. É muito fácil cair no discurso psicologizante, “eu me sinto melhor depois desse ritual porque eu estou enganando a minha mente para isso acontecer”, no melhor estilo de psicologia pop, “fazer pose de super-herói para aumentar a autoconfiança” e coisas do tipo. Ou então, você pode até mesmo fazer algo em outra pessoa, como uma limpeza ou exorcismo, observar os resultados, mas interpretar que “funcionou porque essa pessoa acreditava que iria funcionar”[1]. Ou ainda você pode acreditar que os seus resultados, bem como as previsões de oráculos, são apenas coincidências.
Esse é um problema delicado, porque, por um lado, o ceticismo tem, sim, o seu valor. Quando a gente entra em comunidades de esoterismo no Facebook (risos), o que nunca falta é gente fazendo uns posts do tipo “uma borboleta pousou em mim hoje, o que significa?”, “sonhei que meus dentes estavam caindo, é um sinal?”, etc., etc. E é aquela coisa, né, nem tudo é um sinal e rico em significados, e se você entrar na obsessão de procurar significado onde não tem, você vai se encontrar naquele caminho que leva as pessoas a acharem que o Michael Jackson se comunica com elas por meio dos seus clipes.
Ao mesmo tempo, a negação é um hábito de pensamento que você nunca vai conseguir superar nos termos que ela mesma dita, porque, assim como as expectativas da sua mãe, é impossível satisfazê-los. Você obtém um resultado e pensa “é coincidência”. Você vê e ouve o espírito e pensa “é minha imaginação”. O espírito joga as coisas que estavam em cima do seu altar, você conclui que era um vento súbito muito forte. Você vê o Trono de Deus, cercado por anjos em forma de rodas dentro de rodas e seres tetramórficos e conclui que ficou esquizofrênico. Não tem como. Como concluiu David Hume no século XVIII, é impossível provar a causalidade por meio da razão. No âmbito da magia e do misticismo, você acaba precisando fazer o salto de fé, mas deve ser um salto preciso. Avalie criticamente seus resultados: eles são o que você queria ou precisava? Há uma relação entre os resultados e certas variáveis do seu ritual? As mensagens que você recebe, direto dos espíritos ou por via de oráculos, são confirmadas ou é uma enxurrada de bobagem?
O mais cruel é que superar essa fase de dúvida é crucial para conseguir avançar no seu desenvolvimento, porque é nesse começo que a gente está mais suscetível a abandonar tudo, decidir que magia é bobagem e ir fazer outra coisa. Depois que as ferramentas que a magia oferece passam de fato a fazer parte da sua vida, não dá mais para se imaginar sem elas, mas até lá é preciso um pouco de paciência e confiança no programa que você estiver seguindo (por isso é importante seguir um programa bem delineado como o do Bardon, do Damien Echols, da Quareia, etc.).

Uma coisa que salta à vista é que muitos dos exercícios mágicos para iniciantes são exercícios de visualização e da imaginação de forma geral. Se você pega o programa do Bardon, por exemplo, boa parte das primeiras etapas envolve treinar capacidades de visualizar coisas, começando com imagens simples, com apenas um dos cinco sentidos, depois concebendo representações mentais mais complexas… e só mais tarde é que, de tanto exercitar a visualização, você acaba de fato manipulando certas energias diretamente. Nós temos, no geral, uma relação muito pobre com nossa imaginação, entendida como coisa de criança, faz de conta, e o adulto médio costuma utilizá-la apenas quando lê romances, joga RPG ou se masturba (ou nem isso, dependendo do consumo de pornografia e da falta do hábito de leitura). Ao completo iniciante, esse tipo de atividade pode parecer muito besta ou tediosa, você quer já sair fazendo altos rituais, usando símbolos obscuros e recitando fórmulas de poder, mas se você mal sabe andar, não adianta tentar correr ainda. Práticas de visualização e, num sentido mais amplo, o exercício do poder imaginativo e um tratamento mais consciente dado aos símbolos são como músculos que precisam ser exercitados.
A imaginação é a habilidade de dar imagens àquilo que ainda não tem forma – e é basicamente isso que as gerações de homens e mulheres que tiveram esse primeiro contato com o divino, milênios atrás, fizeram quando deram nomes e formas aos deuses e espíritos variados. Não é por acaso, então, que uma figura como William Blake deificava a imaginação, entendida por ele como a primeira emanação de Deus (!), e vem aí também a relação íntima entre a arte e a espiritualidade de uma forma geral.
Como proceder?
Pois então, como saber que, de fato, as coisas estão acontecendo e não está tudo só na sua cabeça? A resposta é simples, mas difícil: você presta atenção durante e depois do ritual, ou da meditação, ou qualquer que seja o procedimento mágico que você estiver realizando.
A primeira coisa em que devemos prestar atenção é nas reações do nosso corpo. O contato mais intenso com espíritos e energias costuma trazer percepções que são bastante palpáveis. Comigo a primeira vez que eu senti alguma coisa foi um arrepio na base da espinha, que apareceu inesperadamente durante uma invocação de uma divindade e, depois, ao fazer o Ritual Maior do Hexagrama. O Douglas Bachelor, do podcast What Magic Is This?, também já relatou ter uma sensação de pulsação na espinha, como ela estivesse “respirando”, em certos contextos mágicos. Formigamentos, especialmente nas mãos, são outro sintoma comum, além de sensações de pressão em certos pontos do corpo, sobretudo na testa e no topo da cabeça, que vêm acompanhadas às vezes da impressão de que algo está se abrindo. Durante meditações intensas e trabalhos teúrgicos, você pode sentir como se estivesse embaixo de uma cachoeira, como se algo estivesse descendo, e às vezes a sensação é tão forte que, se você deixar, a sua cabeça começa a balançar sozinha para frente e para trás.
Outro sintoma bem documentado por místicos orientais e ocidentais é sentir calor. Nesse sentido, tem aquela meditação do budismo tibetano, chamada Tummo, que é tão forte e produz tanto calor que é realizada sem roupa no meio da neve e cujos efeitos já foram até mesmo observados cientificamente[2]. Vale lembrar, porém, que essa prática é avançada e eu não recomendo de forma alguma que neófitos tentem fazê-la sem um mestre devidamente iniciado. Via de regra, sentir calor é um sinal de que algo está acontecendo, mas se você suar demais e não estiver realizando alguma prática cujos efeitos termogênicos sejam bem documentados[3], pode ser que você esteja superaquecendo, o que também não é bom e pode sobrecarregar o seu sistema energético. Eu mesmo, quando descobri a técnica de colocar a língua no palato para fechar o meridiano central e a combinei com a respiração em quatro tempos, inspirando pelo nariz e expirando pela boca, com a qual já estava acostumado, comecei a superaquecer durante as meditações, a ponto de escorrer suor e tudo — e tomei uma bronca da Maíra, porque não é para fazer isso.

Num segundo nível, repare nas suas emoções durante e após o ritual ou meditação. Com frequência, o efeito de conexão com o divino traz uma sensação de paz, mas também pode vir acompanhada daquela forma de êxtase que faz você pensar na beleza do universo e inspira um profundo senso de reverência. Mas é possível ainda que ocorram efeitos menos plácidos. Dependendo do que é preciso ser purificado e trabalhado, pode ser que certas questões venham à tona e você se flagre chorando ou tendo alguma outra experiência catártica. Eu mesmo já observei alguns casos de pessoas se debulhando de chorar depois de passarem por uma limpeza (e a Maíra, então, nem se fala). É bastante comum. No mais, dependendo do ritual específico que você estiver fazendo, há outras sensações também que podem surgir: rituais de magia astrológica envolvendo Júpiter costumam ser bastante agradáveis, ao passo que Saturno é mais pesado e severo, Marte é agressivo e enérgico, e assim por diante.
Agora, num terceiro nível, temos algumas percepções mais sutis, ligadas aos outros sentidos… e esses efeitos são mais complicados, porque é fácil ficar impressionado com eles (até porque é divertido) e atribuir mais sentido do que se deve. Começar a ver luzes de olho fechado depois de adotar uma rotina mágica, por exemplo, é bem comum. Às vezes elas se manifestam como uma luz como se fosse um trem chegando num túnel, às vezes como se surgisse uma luz giratória, estilo sirene de polícia, no topo da sua cabeça. Às vezes é como se um holofote fosse ligado na sua frente, o que é meio inconveniente quando acontece na hora de dormir.
E aí tem as imagens… como dito, a imaginação é uma ferramenta extremamente útil na magia, tanto para enviar quanto para receber informação, mas isso não quer dizer que ela é sempre 100% precisa e confiável, nem de longe. É normal surgirem visões na sua tela mental enquanto você medita, de olhos fechados, seja sozinho ou durante uma meditação guiada. Mas isso nem sempre significa que você está recebendo uma comunicação genuína dos deuses, dos anjos ou dos espíritos, e é importantíssimo aprender a distinguir o que vem do outro lado e o que é ruído da sua mente — e eu uso a palavra ruído pensando na expressão relação sinal-ruído, um conceito da telecomunicação que pode ser uma metáfora útil aqui. Lembre que todas as comunicações astrais são mediadas pela sua aura, que pode estar mais ou menos limpa, mais ou menos repleta de certas formas-pensamento que vão moldar as imagens recebidas, e assim por diante. Por isso, aqui é preciso, sim, algum ceticismo.
Se você está começando, é seguro pressupor que, nessas visões, uma vasta porcentagem das informações vai estar vindo de você mesmo e não das forças do outro lado (ou seja, é ruído). Eu não digo isso para colocar água no chope de ninguém, mas sim porque eu não quero que as pessoas se iludam, nem se deixem iludir por outros praticantes que sejam igualmente ingênuos – ou, pior, mal intencionados. Todo mundo quer se sentir especial, mas se a sua prática espiritual está apelando para a sua vaidade e alimentando crenças delirantes, ela deixa de ser uma prática saudável.
Eu já falei disso no meu texto sobre invocação de deuses: Sim, é legal ter essas visões, você pode (e deve) curti-las, e eu recomendo anotar no diário e prestar atenção, porque elas podem revelar coisas importantes sobre nossos processos mentais em contextos mágicos, mas não se apegue. Se alguém tem um recado importante para passar, é possível que ele venha, sim, por meio desse tipo de visão (ou então em sonhos), mas, se for importante mesmo, ele será repetido e confirmado por outras sincronicidades e métodos oraculares. Mas vale lembrar que é raro que um recado importante seja algo que você já saiba ou deseje. Com frequência é um choque e pode ser bem desagradável. Todo oraculista conhece aquele consulente. A pessoa já consultou astrólogo, cartomante, runas, terapeutas energéticos e todo mundo disse a mesma coisa… mas entrou por um ouvido e saiu pelo outro, porque não era o que a pessoa queria ouvir. Não sejam assim.
Conforme você se desenvolve, se aproxima das forças com as quais você trabalha e refina o seu corpo energético, aí essa relação sinal-ruído começa a melhorar e de fato pode chegar ao ponto de ficar bastante confiável. Mas a gente nunca fica imune às nossas próprias vaidades.
Muitos praticantes experientes já foram enganados por esse tipo de coisa. Acredito que um ótimo exemplo seja o herdeiro espiritual de Samael Aun Weor, Joaquín Valbuena, que atendia pelo título hilário de Mestre Rabolú e foi — famosamente ou, melhor dizendo, infamemente — o autor de um livro sobre o suposto planeta Hercolubus que estaria, segundo ele, prestes a se chocar com a terra. Nessa mesma obra ele detalha sua visão dos seres de Vênus e Marte e, bem… não tem como não rir quando ele fala que todos os habitantes de Vênus são loiros, baixinhos e perfeitos, nenhum deles sendo pançudo (palavras dele)[4]. Em algum momento, o Rabolú também diz que lá eles não são “fornicadores” como aqui e que lá não existe o “homossexualismo” (sic), o que seria uma “evidência” de sua “superioridade moral”. É muito difícil ler esse tipo de coisa sem chegar à conclusão de que as suas visões do autor, obtidas por meio de viagem astral, segundo ele diz, se foram de fato recebidas e não pura mentira, não passam de externalizações de seus próprios preconceitos. Se as entidades insistem em revelar para você aquilo de que você já tem certeza, especialmente no que diz respeito a coisas meio baixas e mesquinhas, então essas revelações não servem de nada. Se o tempo todo elas mostram coisas que batem de frente com a realidade palpável, como profecias que nunca se realizam e conspirações fictícias que só alimentam paranoia, então você precisa repensar com urgência as suas companhias espirituais. Coisa que Rabolú, pelo visto, não fez.
Por fim, existem os sinais posteriores aos rituais, que, no caso da magia prática, seriam os resultados materiais. Você pode fazer o ritual que for, cheio das pirotecnias, visões, vozes, efeitos Poltergeist e o cacete, mas se era um trabalho para dinheiro e o dinheiro não apareceu, então, por mais divertido que possa ter sido, não adiantou muita coisa. O lado bom é que, por conta das pirotecnias, você sabe que alguma coisa estava sim acontecendo, que de fato as forças estavam sendo mobilizadas. Aí é preciso ver o porquê de a magia não ter sido bem sucedida… talvez o objetivo não fosse realista (tipo ganhar na loteria) ou tenha faltado dar continuidade. De novo, eu já falei disso num texto anterior.
Agora se aconteceu o contrário e você não viu nem sentiu nada durante o ritual, mas obteve bons resultados, vale a pena continuar com essa técnica e testar mais um pouco, porque aparentemente funcionou. Eu sei, é frustrante não sentir e não ver as coisas, ainda mais quando você ouve os relatos de outros magistas contando todas as coisas incríveis que eles veem… você se sente meio a criança de castigo enquanto todo mundo está no parquinho. A boa notícia é que é possível desenvolver essas sensibilidades (na Cura Prânica inclusive existe um curso, restrito apenas aos alunos mais avançados, de clarividência) e com o tempo isso se resolve.
Mas, como tudo, é preciso paciência.
* * *
[1] Só é possível pensar assim até você pegar alguém cético para fazer uma limpeza ou cura nessa pessoa (geralmente por indicação de uma pessoa de confiança que fez e recomendou) e testemunhar o seu espanto quando ela vê que a técnica funciona. Como dito anteriormente, a crença não é um elemento tão significativo assim para a eficácia da magia.
[2] Eu cito este caso de terem estudado cientificamente os efeitos do Tummo não porque eu valorize especialmente os esforços da ciência materialista em tentar entender o esotérico, mas porque é sempre divertido quando acontece de reconhecerem os efeitos dessas práticas.
[3] É conhecido no Yoga que há pranayamas que esquentam e também os que esfriam. Sobre o assunto, eu recomendo este post do perfil Yogando BR no Instagram, aqui.
[4] E, não, pelo texto fica bem claro que ele está falando de entidades físicas e não espirituais. Se ele estivesse falando de espíritos ou elementais de Vênus e Marte, ainda, vai lá, dava para dar algum crédito, mas não é o caso.