Esoverso
Começando no caminho

Começando no caminho

Leitura em 17 min
Fonte: O Zigurate

Então chegou o dia em que você decidiu começar uma prática espiritual. Afinal, é começo de ano, e talvez esse tipo de coisa faça parte das suas resoluções de ano novo. Eu mesmo não sou de fazer resoluções e promessas, mas acho ótimo e incentivo todo (ou quase) esforço para se entrar num caminho espiritual.

Como você está lendo um texto na internet, eu vou partir do pressuposto de que você não tem um guru ou professor espiritual (encarnado) acessível. Se você tiver, nada do que eu vou dizer é com o intento de substituir as orientações do seu professor. Eu acho que isso é óbvio, mas vivemos dias em que o óbvio precisa ser dito. Também não vou escolher um caminho pra você — se você vem me lendo, sabe que eu parto da abordagem de que cada um idealmente escolhe um sistema ou uma tradição que mais combine com suas disposições, pelo menos a princípio. No entanto, algumas coisas sempre são recorrentes e é isso que eu vou visitar neste texto. 

Mantenham em mente que não é cagação de regra, tipo faça isto ou morra, são apenas recomendações. Ninguém precisa seguir à risca o que eu digo. Mas acredito que dê para fazer bons avanços, com segurança, seguindo esse programa.


A Iniciação de Padmasambhava, arte de Alexander Donskoi

Magic(k) 101

O primeiro passo do neófito, para mim, deve ser firmar uma prática diária sólida, que, no meu texto anterior eu dividi, por motivos didáticos, em etapas de banimento, energização, devoção e meditação. Agora, como você vai começar essa prática, bem, isso fica a seu critério, mas é importante que ela exista. Muita gente tem dificuldade com rotina, e para essas pessoas eu recomendaria começar aos poucos, mas religiosamente. Estabeleça um horário em que você tem menos chances de se distrair e esquecer — para mim, o horário que funciona melhor é logo após acordar, antes do expediente, porque depois eu acabo me envolvendo demais com os afazeres do cotidiano e já era. Mas para algumas pessoas talvez seja melhor fazer tudo ao encerrar o dia. Você pode começar com uma coisa simples, um ritual de banimento como o RmP todos os dias, às 8h da manhã ou às 8h da noite, por exemplo, e ir incrementando conforme você for capaz de manter a rotina. 

“Mas, ah, Frater, eu ainda não consegui decorar os rituais de banimento, são muito difíceis”. OK, então, você pode começar pelas outras partes da rotina. Eu digo que banimento não é a coisa mais importante do mundo. Útil, mas não crucial, e há outras técnicas para limpeza e proteção. Você pode fazer suas preces todos os dias nesse horário ou 10–20 minutos de meditação (das quatro práticas sugeridas, só a energização que eu acho melhor deixar para incluir depois de dominar o banimento ou outras limpezas). Pode fazer a prece hermética do Poemandro ou a Prece Cabalística de Lévi ou recitar um salmo, mantra ou um hino órfico. Pode incluir gestos de se ajoelhar e fazer confissões a Deus, aos deuses e/ou outros seres divinos e fazer uma prece de agradecimento por tudo que você tem na sua vida — pode parecer tilelê falar em gratidão, mas ninguém gosta de gente ingrata, e muitas forças estão envolvidas em nossa vida, logo não faz mal conceder-lhes um reconhecimentozinho.

Uma boa ideia também pode ser fazer uma boa limpeza na casa nesse período. Como dito no meu texto de limpeza energética, você pode, nesta ordem, fazer uma boa faxina, lavar a casa com um banho de ervas, defumá-la e, se souber, fazer banimentos, além de também tomar um banho de ervas você mesmo. Ter uma casa limpa ajuda a engrenar a prática diária… no entanto, não deixe que isso seja uma desculpa para se enrolar para começar. “Ai, a casa ainda está muito suja, vou esperar eu comprar a erva pra banho e…”. Vamos, vamos, sem desculpas. Comece fazendo o que está mais na mão e aí aos poucos você incrementa.

Não importa se você começa com preces, meditações ou banimentos, o importante é que esse começo exista e você siga essa rotina sem pular nenhum dia estabelecido. Se não for possível todos os dias, então tente 5 ou 3 vezes por semana (aí menos que isso eu já acho meio esculhambação). Se não for possível manter sempre o mesmo horário, tudo bem, mas ter o horário reservado para suas práticas ajuda muito a criar o hábito. Então aos poucos você pode ir somando mais etapas. Por exemplo, faz um banimento todos os dias. Depois, tendo praticado assim durante toda uma semana, vem o banimento mais energização, depois na outra semana banimento, energização e uma precezinha e enfim banimento, energização, prece e 10 minutos de meditação simples, que também podem ser ampliados a cada semana.

Essa rotina é muito eficaz e qualquer neófito vai observar seus efeitos em pouco tempo. De novo, eu faço a comparação entre magia e exercício físico, e essa rotina vai 1) fortalecer os músculos que você vai usar depois para magia prática, se você quiser lidar com isto; 2) estabelecer e aprimorar sua conexão com forças superiores e 3) ajudar com seu humor e disposição de maneira geral (sem brincadeira, eu me tornei uma totalmente outra pessoa depois de algum tempo de rotinas diárias, o efeito é impressionante). Damien Echols, em seu Angels and Archangels, descreve esse processo como uma obtenção de “sustento espiritual” e diz o seguinte: “Um benefício adicional de se obter sustento espiritual é que ele também causa efeitos profundos em nossa experiência do plano físico: nós nos sentimos mais leves, mais felizes e mais contentes; também nos preocupamos muito menos com coisas que, no fim das contas, não importam (redes sociais, dramas de relacionamento, etc).” Essa descrição é incrivelmente precisa.

Uma outra possibilidade de rotina, que sozinha já representa uma prática poderosa de desenvolvimento mágico e espiritual, é a Meditação dos Corações Gêmeos, da escola da Cura Prânica. A Maíra já escreveu sobre ela no mês passado e eu recomendo muito a leitura. É uma prática rápida, que demora menos de meia hora, dependendo da condução, e não exige decorar fórmulas, nem nada complicado, basta ouvir, se concentrar e seguir as instruções.

Enquanto estabelece sua rotina, o neófito deve procurar estudar a fundo o sistema no qual pretende se aprofundar. No caso da Cura Prânica, por exemplo, já que eu mencionei os Corações Gêmeos, você vai precisar fazer as meditações e estudar o primeiro livro de base, Ciência da Cura Prânica, entender o funcionamento dos chakras e as técnicas básicas de medição, limpeza e energização (fazer um curso formalmente em algum instituto também ajuda horrores). Se você quiser estudar a magia da Golden Dawn ou da Thelema, vai precisar dominar o Ritual do Pentagrama, entender minuciosamente os seus mecanismos e suas muitas formas (invocação, banimento, menor, maior), bem como também o Ritual do Hexagrama (depois, no caso da Thelema, o Rubi-Estrela e Safira-Estrela, seus equivalentes). Vai precisar estudar Cabala hermética e entender como ela compreende as sefiroth, suas relações com os nomes divinos, anjos e planetas, e por aí vai, e talvez procurar uma iniciação nas lojas derivadas da Ordem original. No caso do sistema autoiniciático do Bardon, você vai precisar estudar a fundo o conceito por trás dos elementos e começar a parte (mais tediosa) de autoanálise que constitui a primeira etapa do Magia Prática. No caso de um sistema de bruxaria como o Blacktree, você vai querer se preparar para o “ritual da encruzilhada”, descrito nas primeiras vinte páginas do Guia à Bruxaria Tradicional, onde você vai saudar o Senhor das Bruxas e criar a sua “corda de soberania”, e por aí em diante. Entenda o que você precisa saber agora para se conectar com esses sistemas e se prepare para o que te aguarda mais para frente.

Na sequência, dentro dos sistemas escolhidos, é importante que o neófito domine técnicas mais profundas de limpeza e proteção. Sim, um banimento como o Ritual Menor do Pentagrama é bom e basta a princípio, mas todo mundo que estuda o sistema da Golden Dawn sabe que, para melhores efeitos, ele precisa ser combinado com o Ritual Menor do Hexagrama e, ocasionalmente, com o Ritual Rosa-cruz. Criar talismãs como o quadrado SATOR e outras técnicas protetoras é muito útil também e eu recomendo, de novo, a leitura dos livros da Cura Prânica para aprender o básico de limpeza da aura e dos chakras e realizar uma autocura semanal, o que já permite evitar muita dor de cabeça (por motivos óbvios, eu puxo a sardinha para esta escola, claro, mas outros sistemas de cura e limpeza energética como o Reiki também são bons).

A questão é que, enquanto estiver só fazendo os rituais de rotina, é muito improvável que você vá esbarrar em grandes entidades malevolentes querendo a sua vela e seu incenso, mas, quando você começar a fazer trabalhos de manifestação, é possível que um ou outro obsessor dê as caras, e você precisa dessa proteção adicional. Para práticas mais intensas também, é crucial ter um corpo energético e um espaço devidamente limpos e preparados.

Via de mão dupla

Certo, você já está lá curtindo seu sistema, com uma rotina estabelecida e a casa limpa e protegida. E agora? 


O-R-Á-C-U-L-O-S.

Se você não tem nenhum oráculo ainda, eis a hora de aprender. No meu texto sobre o assunto, eu passo em revista alguns dos mais populares, como o tarô e cartomancia no geral, a geomancia, as runas, o I-Ching e bibliomancia. Estude e aprenda um desses sistemas ou outro que te agrade.

“Ai, Abstru, mas eu não quero atender ninguém”.

Não precisa aprender a ponto de poder atender as pessoas. Por mais que, no caso de fazer tiragens para questões muito importantes, o melhor seja de fato consultar alguém de confiança, é útil ter um método divinatório para tirar para si mesmo, nem que seja pra fazer uma mandala astrológica a cada 3 meses para ter uma visão geral de como você está. Eles são ótimos também para verificar seu desenvolvimento espiritual e para comunicação com entidades.

Compre e consagre um baralho de tarô ou Lenormand, grave/compre e consagre suas runas, consagre o seu pêndulo, moeda ou dados ou escolha o seu livro para bibliomancia e manda ver. No caso do tarô, compensa estudar os arcanos maiores primeiro e então começar a arriscar tiragens simples, como de três cartas (seja como passado — presente — futuro ou situação — coisas que auxiliam — coisas que atrapalham ou situação — nuance 1 — nuance 2), depois ir aprendendo os arcanos menores. Ponha a mão na massa. Geralmente eu não acho legal usar o tarô para perguntas bestas, mas, para esse primeiro contato é importante ir calibrando a ferramenta. Cada pessoa tem um jeito de ler o tarô e o baralho vai se ajustar a ele, por isso esses primeiros meses são cruciais.

Introdução à feitiçaria

Ufa. Agora, você está bem forte e equipado/a para poder começar a fazer magia prática de manifestação (o que eu chamo de feitiçaria) com alguma segurança. Vamos começar agora a botar a sua vida nos eixos — afinal, se você recorreu à magia, ao esoterismo e à espiritualidade por conta própria, é provável que haja coisas na sua vida que você queira mudar.

Não tenha vergonha de apelar para magia para resolver problemas que possam parecer bestas — problemas bestas são mais fáceis de se resolver, e cada sucesso nessa etapa ajuda a criar autoconfiança. A primeira coisa que eu fiz quando comecei (lembrem, apesar de não me identificar mais com o caoísmo, eu tenho raízes caoístas) foi criar um sigilo, porque meu notebook estava com problemas e eu precisava consertá-lo. Eu o tinha levado no conserto na semana anterior, porque ele desligava sozinho quando inclinava, mas os técnicos não conseguiram identificar o problema. Então eu voltei na assistência, mostrei que o problema continuava e na manhã seguinte fiz o sigilo. Duas horas depois me ligaram, avisando que finalmente entenderam o que estava errado. O triste é que era problema com a placa-mãe e não compensava mandar arrumar, porque valia mais a pena investir num notebook novo (aquele já tinha 7 anos). Porém, em todo caso, foi um sucesso. Muito pouco impressionante, mas um sucesso ainda assim, pois de um jeito ou de outro a questão estava resolvida. 

É óbvio que, como tudo, o cético pode reclamar de ser apenas um caso de viés de confirmação. E, OK, justo, não tem como voltar no tempo e ver como seria se eu não tivesse feito o sigilo. Talvez acontecesse igual, talvez demorasse mais uma semana ou até um mês para ter retorno. Porém vale lembrar que o sigilo me custou um pedaço de papel só e 10 minutos do meu dia. Então, se ele funcionou, ótimo; senão, o custo foi irrisório. Me parece uma boa aposta. A magia se manifesta como coincidências e, com o tempo, o acúmulo dessas coincidências vai parecer muito esquisito, muito estatisticamente aberrante, e isso deve te convencer da sua realidade. Enquanto isso não ocorre, como dito no meu texto de “o que é a magia?”, mesmo que você acredite, a princípio, que é tudo placebo (não é) e precise de um empurrãozinho para lidar com a aparente irracionalidade da magia, tenha em mente que o ato de usar o placebo para a sua própria vantagem é extremamente racional. 

Agora, voltando para a questão dos problemas: o que você vai querer fazer é olhar as situações ao seu redor e analisá-las, pensando o que pode ser feito, tanto no plano físico quanto no espiritual, para alterá-las (mais sobre isso no meu texto de magia de prosperidade). Talvez você precise de mudanças externas, como a “sorte” de encontrar um emprego novo ou um lugar melhor para morar. Talvez você precise realizar mudanças internas e trabalhar na sua autoestima, na sua autoconfiança e na capacidade de se expressar e de lidar com seus sentimentos. Observe bem o sistema que você está estudando (você não parou, né?) e veja onde essas mudanças se encaixam. 

Por exemplo, se você estivesse estudando o sistema da Golden Dawn (que eu uso como exemplo aqui, por questões de familiaridade), o que você teria à sua disposição seriam rituais como o de Invocação Maior do Pentagrama, para lidar com os elementos a fim de resolver suas questões internas (autoconfiança é domínio do fogo, os sentimentos: água, expressão: ar), e os de Invocação Maior do Hexagrama, para invocar os planetas relacionados às situações que você precisa manifestar.

Nesse primeiro momento, seus rituais talvez sejam desengonçados. Faz parte. Você ainda está testando suas habilidades (“será que eu já domino as visualizações?”, “será que eu estou fazendo direito?”) e é tudo muito experimental. Eu, com pouco tempo de prática, uma vez montei um ritual de prosperidade meio bizarro, inspirado pelas ideias do Carroll das cores da magia, segundo as quais magia de prosperidade é “magia azul” (na época eu não entendia que ele estava quibando magia astrológica) e todo o blá blá blá sobre a fluidez do dinheiro. Eu precisava de uma grana extra para dar uma folga nas contas e criei esse roteiro que envolvia uma vela azul, uma tigela e um copo com água (fluidez!), gnose com a repetição de um mantra sigilizado com as técnicas do Frater U.D., açúcar e acho que manjericão, e uma moeda que eu talismanizei nesse processo. A ideia era que, com a moeda, eu atrairia o valor desejado e depois passaria ela adiante. A princípio não deu muito certo — eu não tinha dado um prazo, aí fiquei esperando que nem um bobo por quase dois meses, e nada. Nesse tempo eu estava estudando os rituais da Golden Dawn (e começado a praticar o Pilar Médio) e alguns da Aurum Solis, então decidi meter a chamada “fórmula orante” no negócio — uma técnica de projeção de energia muito utilizada para dar carga em talismãs. Dois dias depois recebi um contato que possibilitou que esse dinheiro se manifestasse. De novo, longe de ser um sucesso impressionante, mas, para quem tinha acabado de começar, já estava ótimo.

Aos poucos você vai pegando prática e entendendo o que funciona e o que não funciona, o que você tem forças para fazer e o que está além dos seus limites. E aos poucos também você aprende como fazer o que já funciona de maneiras mais eficientes. Se você é como eu, com tendências ao exagero e ao rococó (perdoem, sou sagitariano), talvez você comece a elaborar coisas hipercomplicadas. Uma época, quando eu comecei com magia astrológica e fazia magia para amigos, eu sigilava o nome da pessoa usando o quadradinho astrológico do planeta em questão e construía o que eu chamava de um “programa”, onde constava o que era para acontecer. Nesse papel eu incluía tudo que eu conseguia: um sigilo do desejo em questão combinado com o pré-sigilo planetário da Aurum Solis, símbolos geomânticos, fórmulas sigiladas escritas segundo um alfabeto próprio. No ritual, esse papel era queimado e a energia direcionada ao sigilo da pessoa. Funcionava, mas não era prático e exigia muito tempo para preparação. Se for assim com você, não se preocupe. Com o tempo, você se aperfeiçoa e refina as coisas. Concentre-se agora em fazer rituais que funcionem consistentemente.

Um de meus “programas” desse período, para um ritual solar. Sim, é FEIO. Nunca tive muitas habilidades artísticas.

E esse é outro ponto: em algum momento, conforme as coisas se acertam, você vai passar a fazer menos trabalhos para você e mais para os outros. Fazer magia para amigos (contanto que com o seu consentimento, óbvio, e de forma responsável) é um ótimo treino, e é muito legal ver que você pode usar suas habilidades para ajudar as pessoas.

O caminho espiritual

A essa altura, sua vida já vai estar bem diferente — ou, pelo menos, assim espero. Se você estudou direitinho, fez as coisas, as limpezas e tudo mais, é muito provável que a maioria do que te incomodava já tenha começado a se resolver. É bem comum, inclusive, que relacionamentos que não funcionam mais terminem quando a gente começa uma prática mágico-espiritual, e é importante entender que isso, no fim, é o melhor para você. Mas, por mais que a feitiçaria seja divertida, eu acredito que você não pode deixar que ela seja uma distração em relação a um objetivo mais amplo, o de se desenvolver espiritualmente. Echols também afirma isto na introdução de Angels and Archangels, quando diz que, quanto mais você avança, mais você vê que, na verdade, tudo gira em torno de transcender a nossa “escravidão pelo ego” e de se libertar dos ciclos infinitos de encarnação, logo, em algum ponto “manifestações materiais se tornam cada vez mais indesejáveis” porque representam um gasto de energia que seria melhor usada para outros fins (por esses motivos, ele recomenda um equilíbrio de 90% de ênfase em desenvolvimento espiritual e só 10% de manifestação, mas isso pode variar de acordo com o seu momento de vida, claro).

Várias disciplinas esotéricas costumam ter as duas coisas. Christopher Wallis em seu livro O Tantra Iluminado, cita um comentário de um guru do século X, Rama Kantha, que diz: “Os ensinamentos são dados àqueles que são qualificados para seguir tanto os objetivos superiores quanto inferiores da existência humana”, ou seja, tanto para se chegar ao estado de moksa (“libertação”) quanto para manifestar siddhis (“poderes”). Algo semelhante ocorre no Ocidente e Oriente Próximo com a Cabala judaica e também com o Hermetismo, daí que o que se chama de magick tenha derivado dessas escolas. Por questões de cautela, porém, vários mestres tendem a ser contra o uso de magia de manifestação, até mesmo porque é fácil se perder nisso e, inclusive, acabar numa power trip violenta e hubrística de se achar muito fodão e querer recriar o mundo à sua imagem. A história dessas pessoas não costuma terminar bem.

Se você pretende recorrer à feitiçaria ou não, isso eu deixo ao seu critério, mas, se você seguir por esse caminho é extremamente recomendado que você leve a sério o trabalho de desenvolvimento espiritual. De novo, as ferramentas mais avançadas disponíveis para isso dependem de cada sistema, o que incluem desde o Ritual de Abramelin para contato com o Sagrado Anjo Guardião, um ponto chave da tradição ocidental, até a chamada Yoga Arhática, que é a parte iniciática da Cura Prânica, mas com frequência há elementos recorrentes entre sistemas, que incluem um alto grau de introspecção, purificação e o cultivo da compaixão. Inclusive, este é outro ponto importante para se ter em mente ao observar outros praticantes e possíveis mestres: se alguém entrou no caminho espiritual e saiu dele uma pessoa pior, mais surtada, egoísta, racista, conspiratória — pense nos malucos esotéricos como o tal do “xamã do Q-Anon” ou outras figuras igualmente desagradáveis —, é porque fez alguma cagada séria no processo.

Uma outra questão complicada é que, conforme você avança também, você acaba abrindo mão de velhos hábitos como fumar, beber ou comer carne — e é uma questão complicada porque, quando você chegar nesse ponto, nada disso vai fazer falta, mas abrir mão delas para o seu “eu” atual pode parecer o fim do mundo. Por isso eu insisto na necessidade de se fazer tudo gradualmente, para ter tempo de ir se acostumando com as transformações da sua consciência. Você também não precisa ter, de cara, esse objetivo ao começar, aquela coisa, tipo “caralho, é isso, eu vou me tornar um bodhisattva e atingir a Iluminação!” Inclusive eu acho que, para um ocidental, essa mentalidade pode ser contraproducente, porque leva a excessos na sanha de se obter resultados rápidos e aí você pode acabar se frustrando, porque não é como se a Iluminação viesse fácil, ou, pior, tendo problemas sérios ao fritar o sistema, por assim dizer, como Síndrome de Kundalini. Vai devagar, mantenha em mente que todo avanço que você fizer já é lucro e que o importante, como é a velha lição Zen, é se concentrar no agora.

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