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Um Estado, dois Estados

Um Estado, dois Estados

Leitura em 7 min

Confira a entrevista/debate com o Professor Benny Morris no programa Roda Viva da TV Cultura (23/06/14)

 

Folha de S.Paulo
Um jornal a serviço do Brasil
QUINTA-FEIRA, 13 DE FEVEREIRO DE 2014 09:34

Acordo é cada vez mais difícil, diz historiador

DIOGO BERCITO

DE JERUSALÉM

13/02/2014  03h05

Em meio às tentativas de israelenses e palestinos de negociar a paz, apoiados pelos EUA, o historiador israelense Benny Morris resume seu pessimismo: “Os palestinos não estão prontos.”

Para um dos acadêmicos mais respeitados de Israel, há uma diferença essencial nas aspirações dos dois lados.

Enquanto a liderança sionista foi impactada pelos eventos históricos e passou a aceitar a ideia de um Estado judaico só em parte do território do antigo protetorado britânico, os nacionalistas palestinos, segundo Morris, insistem até hoje na ideia de ter uma “Grande Palestina”.

O historiador vem ao Brasil nesta semana, a convite da Federação Israelita do Estado de São Paulo e do Hospital Albert Einstein, para o lançamento da tradução de seu livro “Um Estado, Dois Estados” (editora Sefer).

Folha – O sr. viaja ao Brasil para divulgar o livro “Um Estado, Dois Estados”. Qual é a tese da obra?
Benny Morris – O livro é um ensaio político sobre dois movimentos nacionais, o palestino e o sionista, e suas aspirações quanto a um Estado. Escrevo sobre como os eventos históricos os impactaram.

Quais eventos?
O movimento sionista, no fim do século 19, queria toda a Palestina para o Estado judaico. Na segunda metade dos anos 1930, alguns acontecimentos históricos influenciaram sua liderança para que aceitasse apenas parte do território. Entre esses eventos está uma revolta palestina, que convenceu sionistas de que havia um sério movimento social palestino e, assim, os judeus não poderiam ter todo o Estado.

Qual foi o desenvolvimento do nacionalismo palestino?
No lado palestino, que amadureceu mais tarde como movimento político, o objetivo inicial também era estabelecer um Estado em toda a Palestina. A diferença é que eles não mudaram, apesar dos desastres de 1948 [o deslocamento populacional pós-guerra de independência de Israel] e de 1967 [a ocupação de Gaza e da Cisjordânia]. O objetivo deles ainda é a totalidade do território.

O sr. é considerado um dos “novos historiadores” israelenses. Por que sua narrativa desvia da história tradicional?
Quando comecei a trabalhar, nos anos 1980, fiz parte da primeira geração de historiadores israelenses a trabalhar com documentos, não com memórias. Nossas teorias foram aceitas e são ensinadas nas universidades. Acertamos especialmente na questão dos refugiados.

Como?
A narrativa sionista tradicional é a de que os palestinos deixaram suas casas voluntariamente. A palestina, por outro lado, fala de um projeto de expulsões em massa.
Os documentos mostram uma imagem no meio do caminho. Na maior parte das regiões, os palestinos deixaram seus lares por medo de que houvesse ataques de judeus.

Houve limpeza étnica?
Houve expulsões, com uma limpeza étnica parcial. Na [extinta] Iugoslávia houve, porém, uma política deliberada de massacres que não ocorreu aqui. Não foi sistemático. Tanto que o Estado israelense foi criado englobando 160 mil árabes.

Tem sido dito que essa é a última chance para que israelenses e palestinos negociem a paz. O sr. concorda?

É verdade que, quanto mais povoarmos a Cisjordânia, mais difícil vai ser termos paz. Mas não sei se esta é realmente a última chance. Talvez a última chance tenha passado nos anos 1980. Sou pessimista, e acho que os palestinos não estão prontos para dois Estados.

O sr. acha que a comunidade internacional está posicionada contra Israel?
A moralidade da política mudou. Não é mais moralmente aceito ocupar outro povo, e temos ocupado outro povo desde 1967.

Mas o Ocidente oprimiu muito mais do que Israel, no passado.

Eles sentem culpa por seu passado imperialista e acabam projetando em Israel sua própria história.

Apresentação

 Benny Morris se tornou mundialmente conhecido como um dos “novos historiadores”, parte de um grupo de intelectuais israelenses que, utilizando os arquivos do final da década de 1940 disponibilizados pelo governo israelense, permitiu reescrever a história da guerra de 1948-1949 que sedimentou a criação do Estado de Israel e deu origem ao problema dos refugiados palestinos e ao título de seu livro – The Birth of the Palestinian Refugee Problem (1988).

Ao longo de mais de duas décadas, Morris publicaria vários outros títulos sobre o tema, tendo sido inicialmente identificado como um antissionista, pela denúncia dos atos cometidos pelas forças judaicas durante a guerra. Mas em uma polêmica entrevista ao jornal israelense Haaretz em 2004, Morris esclarece suas posições; nela afirma que, ainda que suas obras tenham trazido à luz fatos desconhecidos e desmistificado o ideal sionista, de nenhuma forma deveriam ser interpretadas como uma condenação. Segundo ele, “sem a expulsão de parte da população palestina o Estado de Israel não teria sido criado, e em determinadas condições a expulsão não pode ser classificada de crime; se uma sociedade está engajada na sua destruição, ela te força a destruí-la”. Morris expressa ainda sua simpatia pelo povo palestino e por sua perda, mas esclarece que “desde o momento em que a comunidade judaica na Palestina começou a ser atacada pelos árabes, culminando com a invasão dos países vizinhos após a declaração de independência em maio de 1948, não havia opção a não ser expulsar uma população hostil; o que só se tornou possível no curso dos combates”.

Morris passou por uma profunda transformação. Começou investigando os rumores de crimes praticados durante a guerra para, uma década depois, passar a explicar por que foram cometidos; transformou os palestinos de vítimas em responsáveis pelo destino que os acometeu; e culminou, com seu último livro, numa análise da viabilidade existencial de dois Estados lado a lado, entre o Mediterrâneo e o rio Jordão.

É esse o tema desta obra. Sionistas e árabes palestinos apoiavam até o final da década de 1930 a criação de um único Estado na região, sempre dominado por seus próprios povos. Foi a conclusão da Comissão Peel em 1937 que levou a facção majoritária do sionismo a apoiar a ideia da partilha, que viria a se concretizar dez anos depois. Quase setenta anos depois, a questão ainda não foi resolvida. Jordanianos e egípcios ocuparam por vinte anos a maior parte do território destinado à criação de um Estado palestino independente, e desde a Guerra dos Seis Dias Israel tem controlado o território e uma população de milhões de civis palestinos. Ao longo de sucessivos governos, de esquerda e de direita, Israel promoveu a construção de assentamentos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, parte deles com o claro objetivo de determinar uma nova fronteira, viável, que corrigisse as aberrações decorrentes da linha de cessar-fogo de 1949, que se tornou a fronteira de facto entre Israel e a Jordânia. Na década de 1980, o rei Hussein abandonou sua demanda pelo território, o que tornou a Organização para a Libertação da Palestina o legítimo representante do povo palestino, quase concomitantemente com o surgimento do grupo Hamas.

Após dois levantes populares violentos, e um fracassado processo de paz, Morris coloca em questão a viabilidade de um Estado palestino independente, assim como a de um Estado binacional. Sua lógica baseia-se na conclusão de que os palestinos não estão dispostos a aceitar a partilha do território e, portanto, a questão básica é a decisão da ONU de 1947 e não a redefinição das fronteiras de 1949 (ou 1967).

A proposta do autor para solucionar o problema remete a alegações passadas de líderes israelenses, que definiam a Jordânia como um Estado palestino já existente e detentora da maior parte do território do mandato da Palestina histórica. Um retorno aostatus quo ante de junho de 1967 uniria a Cisjordânia e a Faixa de Gaza ao reino hachemita e solucionaria o problema israelense, mas certamente não atenderia às reivindicações palestinas.

O tema do conflito israelo-palestino vem sendo cada vez mais discutido no Brasil, exaltando ânimos e provocando discussões acaloradas e muito pouco embasadas. Assim, a  publicação de Um Estado, Dois Estados vem contribuir para o debate e para aprofundar o conhecimento sobre o tema, ainda que não esgote a discussão nem apresente propostas definitivas.

Samuel Feldberg

São Paulo, fevereiro de 2014


Um Estado, dois Estados
Soluções para o conflito Israel-Palestina

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