Tragédia e Triunfo
No conteúdo da parashá desta semana (Bo – Êxodo 10:1 – 14:31) consta não somente o que se refere ao Êxodo do Egito, há mais de 3300 anos, como também ao desenrolar da história do povo judeu. É uma história que está repleta tanto de tragédias como de triunfos.
Há muito com que se regozijar nestaparashá. Finalmente, após séculos de escravidão e tortura, o povo judeu emerge como nação para a liberdade e a responsabilidade daí decorrente. Nesses acontecimentos, porém, há também uma grande dose de tragédia.
Um grande número de judeus que sobreviveu ao pior da escravidão egípcia morreu antes que o Êxodo final pudesse libertá-los. As razões para essa tragédia são discutidas no Midrash, mas a razão final, como a de outros eventos aparentemente inexplicáveis da nossa história, está nos Céus e não ao alcance da nossa compreensão. Mas não é esse o tema que quero abordar hoje. Em vez disso, quero falar sobre a estranha mas quase constante justaposição de tragédias humanas individuais, com momentos de triunfo nacional, vitória e alegria.
As tragédias de milhares de famílias cujos filhos e maridos foram mortos ou aleijados na Guerra dos Seis Dias são parte da extraordinária vitória das armas que encheu o povo de Isael de euforia. Aparentemente, nossas emoções e nossa história operam sempre em dois planos diferentes: um é a batalha nacional por sucesso e sobrevivência, e o outro é o custo pessoal e a dor individual dos judeus para alcançar a sobrevivência e a vitória nacional. Serão esses dois planos reconciliáveis num futuro próximo? Como devemos encará-los?
Nossa história começa com a Akedá – o quase sacrifício de Isaac por seu pai Abrahão. Essa quase tragédia se tornou a pedra fundamental da história e do mérito judaicos. É no mérito da Akedá que se baseiam nossas preces ao Eterno. O martírio de muitos judeus no decorrer dos séculos é constantemente lembrado por nós em nossos apelos para receber ajuda e misericórdia Divinas. É a tragédia pessoal que aparentemente alimenta e ajuda nosso triunfo nacional e nossa sobrevivência. Visto sob esse aspecto, a tragédia que se abateu sobre milhares de judeus no Egito, de alguma forma, fez com que o Êxodo fosse apressado.
Como os caminhos de Deus estão além da nossa capacidade de compreensão, ninguém pode oferecer uma razão lógica que possa servir de conforto. Mas não se pode negar que essa tragédia pessoal tem sido a forma de sobrevivência nacional e serve de modelo básico da história judaica ou, talvez, uma faceta básica da fé judaica. De fato, é difícil analisar o mundo judaico de hoje de acordo com esse aspecto.
Muitos afirmaram que o Estado de Israel é resultado do Holocausto. Jamais concordei com isso, pois se choca com as qualidades oniscientes do Eterno. Entretanto, somos testemunhas do sacrifício de muitos ou de poucos, conforme o caso, que levaram a cabo a salvação nacional do povo judeu. Portanto, ao relembrar o Êxodo do Egito devemos ter em mente também a memória dos judeus que ali morreram. É uma forma de lembrar como as coisas acontecem no mundo.
Extraído do livro:
Ecos do Sinai – Comentários e análises sobre as porções semanais da Torá
Rabino Berel Wein