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Técnicas simples ao ar livre

Técnicas simples ao ar livre

Leitura em 12 min
Fonte: O Zigurate

Há algumas técnicas básicas que, volta e meia, eu me vejo ensinando em meus cursos, não como uma parte central deles, mas geralmente como uma forma de enriquecer o repertório de práticas simples para iniciantes e como base para outras coisas, por isso achei que seria interessante compartilhá-las aqui no site com mais pessoas – pelo menos para que todo mundo possa ter algum contato com elas, e aí dá para aprofundar isso nos cursos. O que eu vou oferecer aqui são três práticas simples, para se fazer ao ar livre, em espaços “de natureza”, por assim dizer. Não que seja possível existir “fora da natureza”, mas deu para entender, né?

Porém, antes de chegarmos nessas técnicas propriamente, eu gostaria de começar este texto com uma breve introdução sobre o que eu percebo que são as diferenças entre magia cerimonial e a bruxaria – e já vai ficar claro o porquê de eu querer emendar essa discussão que pode parecer meio tangencial. Pelo meu entendimento, a grande diferença entre as duas coisas não é tanto uma questão de conjuntos de símbolos ou técnicas (nesse sentido, eu vejo muita coisa em comum, como o trabalho com os quatro elementos, para dar um exemplo óbvio), mas sim de abordagem.

Por exemplo, o magista cerimonial típico, antes de qualquer coisa, vai procurar cuidar da própria higiene espiritual (aquele versículo de “asperge-me com hissopo” que todo praticante de magia salomônica já cansou de repetir no banho), colocar uma túnica (uma peça de roupa especial usada apenas para rituais) e então entrar no seu espaço consagrado (o seu “templo”), onde ficam o seu altar e ferramentas, todas devidamente consagradas também, para aí fazer mais uns rituais de purificação e proteção antes de conjurar alguma entidade do éter, com a qual ele interage a partir da segurança do seu círculo mágico, com o triângulo, bola de cristal ou espelho negro e trocentos apetrechos que fornecem ainda mais camadas de proteção. Ao término do trabalho, a entidade é despachada, e ele volta à sua consciência normal e mundana. Ele sai do seu templo e pode sentar no seu sofá para assistir Netflix e pedir uma pizza para relaxar.

É tudo muito asséptico, tudo muito controlado… ao passo que, pelo que eu entendo de bruxaria (e, nesse sentido, a minha principal referência é a obra de Christopher Orapello e Tara Love Maguire), um grupo típico de bruxas e bruxos, em vez de puxar os espíritos do éter para interagir com eles num ambiente asséptico, prefere comungar com essas entidades em seu próprio território, geralmente em ambientes distantes dos grandes aglomerados urbanos, em praias, florestas e cavernas. Eu lembro de um comentário do Phil Hine sobre como rituais de banimento como o RmP parecem inadequados para trabalhos ao ar livre, o que eu acho que faz sentido, já que o RmP e todo o currículo da GD são uma magia mais urbana, “de prédio” – não por acaso, a ordem foi fundada logo em Londres, uma das maiores metrópoles da época. Tentar criar uma fortificação espiritual em plena floresta não me parece muito eficaz ou produtivo, e não há necessidade de purificar o espaço, porque espaços naturais e vivos costumam ser energeticamente limpos1 (o que não quer dizer que não sejam perigosos, em outros sentidos). Talvez seja por isso que o ritual preliminar que Orapello & Maguire ensinam em seu livro (que eu já comentei aqui num momento anterior), o Witches’ Compass, não é bem um banimento que nem o RmP, embora até possa parecer, mas uma outra coisa.

Assim sendo, se colocarmos tudo esquematicamente, teríamos a magia cerimonial, asséptica, urbana e estruturada, num extremo do espectro, e a bruxaria, pelo menos como eu a entendo, mais extática, natural e intuitiva, no outro (algumas pessoas até associariam esses dois polos a noções de masculino e feminino, mas eu acho esse tipo de lógica um essencialismo meio furado). Bom frisar que eu não faço essas comparações como uma forma de menosprezar nenhuma das duas abordagens, mas, enquanto praticante de magia cerimonial, há sim um elemento aí de autocrítica: a magia cerimonial é certamente mais segura para um completo iniciante que decidiu pegar um livro e começar a praticar a partir daí, além de bastante adequada ao mundo dos grandes centros urbanos… mas pode ser um problema essa ênfase nos espaços fechados e a desconexão com a Terra, com a natureza, pois a natureza é, não apenas uma grande fonte de poder, mas também um espaço para se cultivar relações mutuamente benéficas. É um pouco estranho, se for parar para pensar, que você trabalhe com vastas consciências cósmicas, mas não dê nem bom dia para os espíritos arbóreos da praça na sua esquina, sabe?

Dito isso, não digo que você, magista cerimonial, precise reorientar toda a sua prática, mas é bom, de vez em quando, sair um pouco de casa e fazer amizade com umas árvores. Em resumo, este texto é meio que um apelo para sair e touch grass, como dizem os gringos (e talvez um recado direcionado também a mim mesmo).

Respiração pelos poros

Esta é uma técnica fundamental que a gente encontra na obra do hermetista Franz Bardon, Magia Prática: o Caminho do Adepto… apesar que eu duvido que ele tenha elaborado isso sozinho e imagino que ele possa estar tomando emprestado de alguma fonte tântrica. É uma das primeiras coisas mais práticas que Bardon ensina, no grau II, até porque vai servir de base para se trabalhar com a manipulação direta dos elementos nos graus III e IV. Diz o autor:

Sente-se confortavelmente em uma poltrona ou deite-se num divã, relaxando toda a musculatura do corpo. Então, a cada inspiração, imagine que não é só o pulmão que está respirando, absorvendo o ar, mas também o corpo todo. Convença-se de que junto com os pulmões, cada poro de seu corpo também está assimilando a força vital e conduzindo-a ao corpo todo. Você deve imaginar-se como uma esponja seca, que ao ser mergulhada na água, absorve-a com sofreguidão. Deve tentar experimentar essa mesma sensação ao inspirar o ar. Assim a força vital do princípio etérico e do ambiente penetra em você. Conforme as circunstâncias, cada um de nós experimentará a absorção da força vital pelos poros de uma maneira diferente.

Bardon ensina a fazer esse exercício “sentado numa poltrona ou deitado num divã”, mas o Mestre Choa Kok Sui, que também ensina a respiração pelos poros no livro básico da Cura Prânica, Ciência da Cura Prânica, recomenda praticá-lo ao ar livre. A minha recomendação é que você aprenda a fazê-lo no seu espaço, após realizar nele uma boa limpeza, até conseguir dominá-lo, e então coloque essa técnica em prática no seu espaço natural favorito. O meio do mato é ótimo, mas você não precisa ir para tão longe da cidade, se for inviável para você. Um bosque ou parque já serve. Visualize o espaço ao seu redor preenchido por glóbulos de luz branca radiante. Ao inspirar, esses glóbulos entram pela sua pele e, ao expirar, você devolve o ar vazio, enquanto a energia ali contida se espalha por todo o seu corpo. Fazer isso durante alguns minutos é uma forma de purificar e energizar o seu corpo energético – e, como é um exercício realizado por meio de respiração e visualização, dá para fazer à vista de outras pessoas sem que alguém estranhe. Só evite usar a respiração pelos poros em lugares energeticamente sujos. Se você não tem essa percepção intuitivamente para saber se um lugar é limpo ou não, restrinja essa prática para fazer em sua casa (de novo, depois de limpá-la) e em espaços naturais.

A técnica também pode ser adaptada para absorver a energia vital (prana) do solo. Pise com os pés descalços diretamente no chão de terra, grama, etc, concentre-se nos seu chakra básico e nos chakras das solas dos pés (sim, tem chakras nos pés… visualize-os como dois vórtices no centro das solas). Sinta que está absorvendo energia por ali, do mesmo modo como você absorve a energia do ar pelos poros no método do Bardon. Como ensina o Mestre Choa, essa aplicação é especialmente potente para ajudar na cura do corpo físico, mas também tem benefícios para quem precisa estimular o chakra básico no geral e para pessoas mais avoadas que precisam de uma ajudinha para aterrar.

Uma bênção a espíritos da natureza

Ao nos encontrarmos com outras pessoas, o educado a se fazer é, pelo menos, dar um “oi”. A gente se saúda e se cumprimenta, o que é uma forma de dizer “eu reconheço e respeito você”… tanto que a primeira coisa que a gente faz quando briga com alguém é não olhar nem na cara mais. Uma boa diretriz de se levar para a vida é a frase, que eu já vi mais de um autor usar, de que “espíritos são gente”. É uma gente meio diferente, mas é gente ainda assim.

Por isso, ao adentrar um espaço natural, onde tenha muitas plantas, árvores e tudo o mais, é uma boa ideia estender esse gesto de reconhecimento e respeito às entidades que estão por ali também. E, se emendar uma bênção para elas, melhor ainda.

Abaixo, segue uma possibilidade de prece para ser dita (pode ser baixinho mesmo) ao passar por um espaço natural:

“Paz a vós, Ó espíritos deste espaço. Humildemente grato por vossa hospitalidade em generosidade e me permitirem atravessar seu território, eu vos saúdo e abençoo. Que as bênçãos de Deus e todos os seres divinos, todas as deidades da natureza, estejam sobre vós e que entre nós sempre haja paz”.

Você não precisa seguir essas palavras à risca e pode alterá-las de acordo com o que funciona melhor para você, mas é bom ter uma base de referência. Essa bênção também pode ser usada como saudação para um trabalho mais elaborado com os espíritos locais, acompanhada de oferendas e tentativas mais profundas de comunicação2… mas aí já sai um pouco do escopo deste texto, que tem como intenção apresentar técnicas mais simples e discretas. Em todo caso, usar essa bênção já é uma forma de angariar a boa vontade dos espíritos, e a partir daí dá para começar a esboçar uma relação.

Comunhão com árvores

Essa é uma prática um pouco mais engraçada de falar a respeito, porque faz a gente parecer meio biruta… mas acho que, né, me preocupar com isso a essa altura do campeonato é bobagem.

Mantak Chia, num texto que circula por aí com o título “How to befriend a tree” (da onde vem a imagem acima), comenta que árvores são plantas “tremendamente poderosas” e “espiritualmente avançadas”, seres em “constante meditação”, com grande capacidade de transmutar energia – o que é coerente com suas propriedades naturais de absorver dióxido de carbono e emitir oxigênio (como a minha amiga Rachel, a @matryoska, sempre diz, uma boa forma de intuir as propriedades mágicas de algo do mundo natural é extrapolar a partir de suas propriedades físicas). Por isso, é muito agradável e revigorante trocar energia com árvores, e o método para isso é fácil. E, sim, estou falando aqui em termos de trocar e não de roubar energia. Aqui você não vai parasitar a árvore, mas permitir que ela também absorva um pouco de você, o que pode ser interessante para a árvore, porque, se você for um magista competente, o seu corpo energético também vai ser desenvolvido e transformado pelo contato constante com consciências superiores, entre deuses, anjos e inteligências, e essa energia tem o seu valor.

Então, vamos ao método. O primeiro passo é escolher uma árvore para isso. Prefira árvores grandes e robustas, mas não excessivamente grandes. Árvores de parques e bosques são ótimas para esse exercício, pois já estão acostumadas à presença humana, mas se tiver uma árvore no seu quintal é melhor ainda, porque é uma árvore com quem você pode estabelecer uma relação mais pessoal.

Uma vez escolhida a árvore, medite por alguns minutos, limpando a mente, e então pressione o centro da palma da mão. Você pode querer lavar a mão com água e um punhado de sal fino, esfregando o centro da palma, antes de fazer esse exercício. Então, intencione comunicar-se e trocar energia com a árvore, depois toque no seu tronco com a palma da mão aberta. Se você tiver qualquer sensibilidade energética, vai sentir a energia da árvore ali. Algumas árvores mais fortes dão uma leve dorzinha ou até mesmo um choque (se você não sentir nada, continue treinando sua sensibilidade, que uma hora você vai sentir). Fique receptivo a qualquer mensagem que possa vir da árvore, especialmente se ela tiver algum tipo de pedido (você pode confirmar a veracidade das mensagens depois por via de um oráculo, como pêndulo ou tarô). Esse exercício pode ser feito o tempo que você quiser, se a árvore estiver de acordo. Jason Miller, em Consorting With Spirits, recomenda ainda usar as duas mãos para comungar com duas árvores ao mesmo tempo (vou me segurar e não vou fazer uma piada sexual aqui), criando um elo entre as duas. Ao fim da sessão, agradeça e faça, suavemente, um gesto de corte, passando a mão reta na altura da sua barriga, como se estivesse cortando um fio invisível.

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E nisso consiste a minha introdução às técnicas básicas para magistas de prédio exercitarem ao ar livre. Como dito, são coisas simples e discretas, mas quem quiser pode se aprofundar, e acredito que eu tenha fornecido material suficiente em termos de bibliografia para isso. Vale recomendar ainda o material do curso Quareia, da Josephine McCarthy e do Frater Acher, onde vemos mais práticas para aprofundar a relação com os espíritos da terra do local onde você mora (cf. módulo II, lição 8 de aprendiz, “Natural patterns of the land”). Reitero mais uma vez o quanto esse tipo de prática é importante e alguma coisa nesse sentido deve fazer parte de uma rotina espiritual equilibrada.

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  1. Bom frisar que estamos falando em termos gerais. Quanto mais ermo for um lugar, em termos de ocupação humana, mais limpo ele costuma ser, porque não vai ter os resquícios das consequências de atos, pensamentos e sentimentos humanos se acumulando por ali e bagunçando a sua energia. É claro que praticamente não existe mais local na Terra que não tenha sido afetado pelas modificações humanas sobre o meio ambiente, mas, a não ser que o lugar esteja coberto de lixo (que você pode muito bem catar) ou outra forma de poluição, qualquer prática de limpeza que você vá fazer num ambiente desses vai ser mais para limpar a energia suja que você mesmo trouxe no seu campo energético. ↩︎
  2. Para isso, tem dois livros que eu recomendo. Um é o The Practical Art of Divine Magic, do Patrick Dunn, que é sobre teurgia, mas tem um capítulo dedicado ao trabalho com genii loci; e o outro é o Living Spirits, do B. J. Swain. ↩︎
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