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Sobre os elementos – parte I

Sobre os elementos – parte I

Leitura em 17 min
Fonte: O Zigurate

Se tem um conceito da cultura esotérica que todos conhecem, que mais se aproxima, na medida do possível, de qualquer ideia de “universalidade”, é este: a noção de que o mundo é constituído, em essência, de quatro princípios básicos, chamados de elementos — fogo, ar, água e terra. Do desenho do Capitão Planeta a Avatar, a nossa indústria do entretenimento há décadas garante que todas as crianças estejam familiarizadas com o conceito, de modo que, depois de velhos, quando pegamos alguma leitura mais substancial sobre o assunto, ninguém enxerga aí grandes revelações.

Como o assunto é complexo, apesar da falta de novidade, este texto será escrito em três partes. Agora vamos tratar da parte mais histórica e bibliográfica no que diz respeito à origem deste esquema, o que vai servir para nos orientar quando eu for tratar de questões mais ligadas ao esoterismo propriamente na próxima semana.

Gravura de Leonard Thurneisser, século XVI.
Gravura alquímica de Leonard Thurneisser, século XVI. Note a mistura dos vasos solar e lunar e os quatro elementos, em alemão, nas janelas ao fundo. Fonte.

As origens gregas

Apesar de sua importância esotérica hoje, os elementos já foram uma forma de falar de fato do mundo físico. No Ocidente, tudo começa com os pré-socráticos, como Tales de Mileto e Heráclito, que estavam envolvidos numa discussão sobre quais seriam os primeiros princípios a partir do qual o mundo inteiro teria sido criado (o próprio Tales interpretava esse princípio como sendo a água, e Heráclito o fogo). A ideia de que toda a matéria derivaria de quatro elementos costuma ser creditada a Empédocles, filósofo do século V a.C. a quem é também atribuída a história, certamente lendária, de que ele teria morrido ao se atirar no vulcão do Monte Etna para se tornar um deus… o que não pinta uma imagem muito sábia da figura.

Diferente dos filósofos posteriores que passaram a escrever no formato de tratados (ou diálogos, como Platão), Empédocles ainda estava ligado a um tipo de tradição de filosofia oral que o levou a compor suas obras em versos. Há dois poemas filosóficos de sua autoria de que temos conhecimento, Purificações e Da Natureza, apesar que não sabemos ao certo se eram de fato dois poemas distintos ou partes de um só poema. Neles, o autor fala da natureza do universo, sua composição, sua origem, a causalidade, os deuses, religião, e da doutrina da reencarnação. Infelizmente sua obra sobrevive apenas em fragmentos, dos quais vale citar um deles (B21.3–6), onde Empédocles trata das manifestações dos elementos:

Considere o sol, branco de se ver e quente em todos os aspectos, 
e os imortais, tantos quantos eles são, banhados em calor e luz brilhante, 
e a chuva, em todas as coisas escura e fria, 
enquanto da terra fluem coisas densas e duras.

Este trecho é mencionado no livro Empedocles: an Interpretation, de Simon Trepanier, um pesquisador e professor de estudos clássicos da Universidade de Edimburgo. Na sequência, o autor o interpreta da seguinte forma:

Em cada um desses corpos, Empédocles quer que reconheçamos um elemento, não em seu estado puro, mas como a presença predominante por trás de fenômenos natural familiares, dando a cada corpo suas propriedades bem conhecidas. O contraste com o fragmento B17.18 ff. é que, em tal passagem, Empédocles não faz mais do que nomear cada elemento e enfatizar suas similaridades enquanto princípios primeiros e eternos, ao passo que, aqui, estabelecidas suas propriedades comuns, o ouvinte já está pronto para compreender suas diferenças particulares, como elas se manifestam da forma à qual os sentidos já estão familiarizados, mas sem presumir, erroneamente, que estas diferenças não revelem alguma propriedade em comum.

Ou seja, este é o conceito: quando falamos que uma coisa é composta de fogo, não queremos dizer que haja de fato chamas em sua composição, mas sim que há um princípio de calor e secura que esta coisa partilha com a chama. Cada elemento, no pensamento grego, é decomposto em características menores, as qualidades, que são binárias1: quente/frio e úmido/seco. O fogo é quente e seco; o ar é quente e úmido; a água é fria e úmida; e a terra é fria e seca. Mas, mais uma vez, é bom enfatizar que aqui não estamos falando de conceitos esotéricos (apesar de que em Empédocles essa teoria aparece na companhia de reflexões também sobre os deuses e reencarnação, o que mostra que nada disso era tão separado em categorias estanques para os antigos). Tanto é que para a antiga medicina grega, há equivalências ainda entre os elementos e os quatro humores, a bile (fogo), o sangue (água), a fleuma (ar) e a bile negra (melas kholé) ou melancolia (terra), cada humor também partilhando das mesmas qualidades dos elementos. Segundo essa teoria, chamada humoralismo, que é elaborada por Hipócrates (460–370 a.C.) e depois aperfeiçoada por Galeno (129–200 d.C.), o corpo humano seria constituído por esses fluidos, que, quando em desequilíbrio ou estagnados, causariam doenças. Eles também seriam responsáveis pelos quatro temperamentos, colérico, sanguíneo, fleumático e melancólico, pois entendia-se que em cada pessoa geralmente há o predomínio de um desses humores.


Melencolia I (1514), gravura de Albrecht Dürer

Uma pessoa melancólica, por exemplo, teria um excesso de bile negra, o que causaria uma predisposição a estados de espírito introspectivos e marcados por um certo pessimismo e descontentamento com a vida, que podem se agravar e levar a crises e surtos de sintomas variados. Robert Burton (1577–1640), por exemplo, em sua obra monumental, A Anatomia da Melancolia2, cita um caso que eu gosto de lembrar: Guianério, um dos muitos autores que fazem parte de sua bibliografia, conta ter recebido e entretido dois holandeses em sua casa durante um mês, que foi passado bebendo vinho. Ao término deste mês, ambos acabaram melancólicos e um só cantava e o outro só suspirava. Este livro, uma obra verdadeiramente imensa e interessantíssima, é repleto desse tipo de anedota e outras curiosidades divertidas, conforme seu autor analisa as causas e possíveis métodos de tratar e mitigar os efeitos da melancolia nos níveis fisiológico, social e até mesmo metafísico — Burton mesmo era aquariano, um signo regido por Saturno, o planeta da melancolia, e atribuía a sua própria melancolia ao astro e incluía uma imagem do seu mapa astral. Que ela tenha sido escrita no século XVII é um testamento da longevidade dessas teorias médicas.

Mas voltando agora aos elementos e a Empédocles mais especificamente: além dos quatro elementos, há também um conceito à parte referente a outras duas forças, as quais Empédocles chama de Amor (Philotes) e Discórdia (Neikos). Como Trepanier comenta, numa tentativa de cobrir o aparente abismo entre o mundo material e a mente que há séculos atormenta a filosofia ocidental, haveria nesses fragmentos uma vaga noção de que os elementos estão, em algum grau, conscientes. O Amor e a Discórdia influenciam os elementos, como influenciam a nossa própria consciência, que podem então se unir ou se repelir: “Sob a Discórdia, os elementos literalmente se voltam a si mesmos, que é a contraparte física de serem os objetos exclusivos de sua própria vontade ou pensamento, ao passo que sob o Amor, na linguagem do fragmento B35, eles ‘mudam de caminho’ (35.15), eles ‘aprendem’ (35.14) a se voltar um ao outro, de modo que um busque o outro e formem as criaturas mortais”. Tais noções, no entanto, não parecem ter sido levadas adiante por filósofos subsequentes.

Depois de Empédocles, é crucial citarmos o nome de Platão (428–348 a.C.), que já se refere aos elementos com o nome pelo qual eles passam a ser chamados em grego, stoichea (em oposição a rhizomata, “raízes”, que é como o termo aparece em Empédocles). No diálogo Timeu, seu grande texto cosmológico, o autor se dedica longamente a tratar do assunto. Cito o seguinte trecho, a partir podemos entender uma outra questão importante que é a da mutabilidade da matéria, como toda substância é apenas uma coisa só, em estados variados:

Primeiro, em relação àquilo a que chamamos água, quando congela, parece-nos estar a olhar para algo que se tornou pedra ou terra, mas quando derrete e se dispersa, esta torna-se bafo e ar; o ar, quando é queimado, torna-se fogo; e, inversamente, o fogo, quando se contrai e se extingue, regressa à forma do ar; o ar, novamente concentrado e contraído, torna-se nuvem e nevoeiro, mas, a partir destes estados, se for ainda mais comprimido, torna-se água corrente, e de água torna-se novamente terra e pedras; e deste modo, como nos parece, dão geração uns aos outros de forma cíclica.3

Outra contribuição importantíssima de Platão é que ele traça a relação entre os elementos e os sólidos geométricos — e aí que começa a doideira. Demócrito (460–370 a.C.) já havia formulado uma teoria atômica da constituição da matéria, a própria palavra “átomo” significando literalmente “indivisível”. A menor unidade da matéria em Timeu, se eu entendi direito, é a forma do triângulo, o polígono mais básico, e assim os triângulos se organizam para constituir sólidos geométricos em três dimensões, de fogo com 4 faces, constituindo uma pirâmide; de ar com 8 faces, constituindo um octaedro; e de água com 20 faces, constituindo um icosaedro. Logo, é possível que os elementos, que teriam essas formas, ao se decomporem em triângulos, se recomponham para constituir outros elementos — daí que seja possível o ar virar fogo, pela combustão, ou virar água, pela condensação. A parte complicada é que à terra é atribuído o sólido geométrico mais denso e estável, o cubo, que não é constituído de triângulos, logo sua teoria das transformações acaba sendo comprometida (a condição da terra como um elemento diferentão virá à tona mais uma vez quando eu for tratar do Sefer Yetzirah, podem me cobrar). Então, quando você der uma olhada numa lojinha esotérica e eles venderem sólidos platônicos, é interessante saber que é daí que vem esse conceito.


Os quatro elementos, arte digital baseada em Ulrich Ruosch, Das Alchemiehandbuch des Appenzeller Wundarztes. Fonte.

O quinto elemento

Na sequência, temos Aristóteles (384–322 a.C.), o pupilo de Platão, que também trata do assunto em Sobre o Céu, Da Geração e da Corrupção e no diálogo perdido Sobre a Filosofia. Um dos problemas que tiram o sono do Aristóteles é a questão do elemento dos céus. A doutrina dos quatro elementos, já então bem disseminada e incorporada por escolas filosóficas como a do estoicismo, como fica evidente nos textos posteriores de Cícero, concebia a distribuição dos elementos no universo com terra no centro, a água espalhada sobre a terra, o ar acima e o fogo no céu, acima de tudo. Porém, se o elemento dos céus fosse o fogo, como se pensava4, logo sua presença seria tão predominante que ultrapassaria a de todos os outros elementos, causando um desequilíbrio no universo e consumindo tudo em chamas. Além do mais, sendo corruptíveis e mutáveis, os elementos só fariam sentido para a composição da matéria do mundo sublunar. Lá em cima, nas esferas celestes, onde reina a perfeição e a harmonia dos movimentos, não há espaço para geração e corrupção, logo algum outro elemento celestial, mais puro, deveria ocupar esse espaço. A este quinto elemento foi dado o nome de aether, éter em português, uma palavra que em outros momentos se referia em grego a uma região elevada do ar, compreendida como o ar respirado pelos deuses. Para quem tem interesse nas minúcias dessa discussão, eu recomendo a leitura deste texto de David Hahm, “Aristotle’s De Philosophia and the Introduction of the Fifth Element“. Na filosofia medieval, o quinto elemento é chamado pelo nome latino de quintessentia (quintessência) e, ainda que este elemento tivesse grande presença nas esferas celestes, entende-se que pequenas quantidades dele poderiam ser encontradas no mundo sublunar — o que, segundo este verbete aqui sobre Paracelso, o famoso médico e alquimista alegava conseguir extrair a partir da matéria com seus métodos alquímicos. O poder da quintessência, sendo o mais puro e vital dos elementos, incluía restaurar a vitalidade e prolongar a vida, benefícios que os alquimistas sempre procuraram.

E assim chegamos ao modelo de quatro elementos mais um que se disseminou por todo o mundo helenizado dos últimos séculos da Antiguidade (diz David Hahm que, por exemplo, Fílon de Alexandria às vezes oscilava entre um modelo com quatro ou cinco elementos) e pelo mundo árabe e europeu do medievo. Como vimos, havia algumas questões para serem discutidas, mas a doutrina já havia tomado forma o suficiente para ser reconhecível. No tocante ao lado mais esotérico, é importante mencionar a influência desta teoria especialmente sobre as correntes herméticas, a astrologia e as tradições dos alquimistas. Até onde eu entendo, foi entre estes últimos que surgiram os símbolos pelos quais reconhecemos os elementos e que remetem aos seus efeitos — o fogo como um triângulo para cima indicando o processo de combustão, a água como um triângulo para baixo indicando condensação, etc. Na astrologia, é claro, os elementos fazem parte das doutrinas básicas no que diz respeito à constituição dos signos, um assunto de que trataremos no nosso próximo texto. Dada a sua popularidade, eu diria que, depois do entretenimento de mídia, é a astrologia a principal disciplina responsável por disseminar as noções dos quatro elementos como os entendemos hoje.

A teoria grega dos quatro elementos acaba caindo por terra como um paradigma científico provavelmente por volta do século XVIII. É nessa época que a alquimia, essa arte antiga que combinava práticas metalúrgicas com aspirações espirituais, vira sinônimo de charlatanismo e acaba cedendo lugar para a química, cujas explicações mecânicas davam conta de explicar as transformações da matéria melhor (e de forma mais simples e direta, matemática) do que as metáforas crípticas da alquimia, ao passo que as outras ciências materiais, como a física e a biologia avançam enormemente também. Vale lembrar, no entanto, que os quatro elementos podem ser compreendidos de outras formas, e o rabbi Aryeh Kaplan, um físico que se tornou estudioso de Cabala, como eu já comentei anteriormente, encontra paralelos entre os conceitos de fogo, ar, água e terra e as respectivas forças físicas elementares chamadas de eletromagnética, força nuclear fraca, força nuclear forte e gravitação. Mas, de forma geral, com a derrocada da alquimia e a ascensão das ciências mecânicas, os quatro elementos passam a ser domínio exclusivo do discurso mágico e esotérico, onde contam também com o fôlego renovado da occult revival do século XIX. A princípio esse apego esotérico a conceitos velhos e cosmologias ultrapassadas pode parecer um alvo fácil para crítica, especialmente vinda de céticos, mas vale lembrar que, em matéria de esoterismo, nunca estamos lidando com questões literais, mas com metáforas e conceitos. A magia envolve o poder da consciência de interagir com o universo, e tais conceitos da cosmologia clássica, com 4 elementos (+1) e 7 planetas, são extremamente úteis para fazer essa interface.

E o Oriente?

Por fim, algumas palavrinhas sobre o Oriente, dentro dos limites (bastante limitados) do que eu sei. A filosofia chinesa utiliza, desde o século II a.C., um esquema conceitual chamado Wuxing que trabalha com cinco elementos. Esses cinco elementos, ou fases, são fogo, água, madeira, metal e terra. Apesar de algumas semelhanças, diferente do que acontece entre os gregos, no entanto, aqui não se fala da composição das coisas, mas dos processos de mudança, e os cinco elementos estão ligados aos planetas, que no esquema clássico são cinco, fora os dois luminares. Fogo remete a Marte, água a Mercúrio, madeira a Júpiter, metal a Vênus e terra a Saturno — e não por acaso o nome desses planetas em chinês significa literalmente “astro do [elemento]”, como Tuxing (astro da terra) para Saturno ou Jinxing (astro do metal para Vênus), uma tendência que também se observa em japonês. O que é interessante no esquema chinês é que ele se ocupa das interações e sucessões entre os elementos — por exemplo: a madeira alimenta o fogo, que, por sua vez, gera a terra, que produz o metal, que coleta água e alimenta a madeira, e assim por diante. Mas a madeira também seca a água, que enferruja o metal, que empobrece a terra, que sufoca o fogo e que queima a madeira (e a velha a fiar). Essas interações determinam os ciclos do universo, desde as estações até questões políticas, e tem aplicações na medicina tradicional, feng-shui, I-ching e muitas outras disciplinas chinesas. Para quem tem interesse nessas doutrinas, é crucial que os elementos e suas interações sejam estudados profundamente, porém qualquer possibilidade de interface com o mundo ocidental acaba sendo muito limitada5.


Esquema dos ciclos dos 5 elementos do Wuxing.

Já na Índia, surgiu um sistema muito parecido com o ocidental. Chamado de Pacha Mahabhuta, ele compreende também os “cinco grandes elementos” de Akasha (éter ou espaço), Vayu (ar), Agni (fogo), Jal (água) e Prithvi (terra). Mais sistematizado do que o que se observa no Ocidente, porém, para cada elemento hindu corresponde um dos cinco sentidos, uma direção cardinal, um bija (uma “sílaba-semente”, um tipo de mantra), um símbolo (tattva), um mudra, uma divindade, etc6. Para práticas mágico-espirituais, é evidente que isso facilita a vida, porque possibilita o trabalho diretamente sem ter que reinventar a roda, catando fragmentos aqui e ali para constituir um sistema do zero, como tantas vezes ocorre nas tradições ocidentais. Em vez disso, basta conferir um texto como o Upanixade Darsana, por exemplo, composto entre 100 a.C. e 300 d.C., e já começar as práticas de bija.

Assim como aconteceu entre os gregos, nas tradições medicinais do subcontinente indiano que levaram à emergência do que chamamos de Ayurveda, os elementos e seu equilíbrio têm um papel crucial, apesar que os hindus parecem ter obtido mais sucesso do que os gregos em questão de eficácia e longevidade da sua disciplina medicinal. Os humores ayurvédicos, chamados dosha, porém, são três, todos compostos de dois elementos: Vata (ar + éter), Pitta (fogo + água) e Kapha (terra + água), e a distribuição e predominância destes humores determina, segundo a medicina ayurvédica, a sua composição (o “seu dosha”), o que dita seu tipo físico e temperamento e possibilita recomendações de dieta e exercícios. Porque o sistema elemental hindu é compatível com o grego, há partes dele que foram apropriadas (a Golden Dawn, por exemplo, trabalhava com meditações sobre tattvas), mas, como sempre, eu recomendo cautela ao fazer transposições e equivalências entre sistemas, mesmo que possam ser idênticos. A grande dúvida que fica é que, sendo improvável que duas culturas geograficamente distantes tenham chegado de forma independente a um mesmo arranjo, é difícil dizer quem influenciou quem aqui (e sabemos que, pelo menos desde o período helenístico, há uma via de mão dupla nas importações culturais entre os dois mundos). Nesse caso, eu preciso confessar a minha ignorância quanto à literatura em sânscrito e, até que eu leia os épicos, os Vedas e os Upanixades (mais a literatura secundária!), vou me abster de dar uma opinião.

Isto conclui a primeira parte da minha apresentação ao tema dos quatro (ou cinco) elementos. Como vocês já estão acostumados, toda vez que eu trato de algum conceito, eu faço questão de sondar a fundo (na medida do possível) as suas origens, de onde veio, os nomes importantes, bibliografia, etc. Deste modo, é possível saber exatamente com o que se está lidando e evitar basear a sua prática em achismos (ou, a bem da verdade, como muito do esoterismo é subjetivo, pelo menos assim a gente pode ter um bom embasamento para as nossas próprias interpretações). Feita esta primeira parte agora, na semana que vem nós vamos falar um pouco de magia propriamente e, depois, de algumas formas de se incorporar estas noções na prática.

* * *

[1] Séculos depois, já na Antiguidade Tardia, o filósofo e místico neoplatônico Proclo (412 – 485 d.C.) em seu comentário a Timeu (fonte) vai entender as qualidades dos elementos num esquema com três propriedades binárias: sutil/denso, cortante/cego, móvel/imóvel, de modo que o fogo seria sutil, cortante e móvel, o ar sutil, cego e móvel, a água densa, cega e móvel e a terra densa, cega e imóvel. Além do fogo, nenhum outro elemento é cortante, e não existe nenhuma combinação que seja sutil e imóvel, o que faz com que seu esquema tripartido seja bem menos elegante. Proclo também adere à ideia aristotélica de um quinto elemento, entendendo que os elementos existem nos céus em sua forma mais pura e benéfica, incorruptível.

[2] A Anatomia da Melancolia foi publicada, na íntegra, em português na tradução do poeta, professor e tradutor Guilherme Gontijo Flores, pela editora da UFPR em quatro volumes, lançados entre 2011 e 2013, como se pode ver no site da editora, clicando aqui. A obra foi a ganhadora do Jabuti de 2014 na categoria tradução.

[3] A tradução aqui é a de Rodolfo Lopes no volume Timeu-Crítias publicado em 2011 pelo Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra.

[4] No mundo judaico e mesopotâmico também se encontrava a ideia de que as partes mais elevadas do céu eram constituídas de fogo, mas entendia-se que havia uma região de água também, cujas comportas foram abertas na ocasião do Dilúvio.

[5] Eu já vi gente fazendo equivalências entre o elemento éter (ou espírito) do sistema grego com a madeira do chinês e o ar com metal, mas, desconhecendo as nuances do pensamento chinês, eu não posso dizer o quanto esta é uma possibilidade viável ou não.

[6] “Mas, Frater, faltou mencionar a equivalência com os chakras!” Sim, verdade, mas eu não mencionei de propósito. Certamente você já deve ter lido que o chakra básico corresponde ao elemento terra, o chakra sacral à água, o plexo ao fogo, o cardíaco ao ar e os restantes (laríngeo, ajna, coroa) ao éter. Eu não menciono este esquema no corpo do texto por um simples motivo: essa distribuição não é descritiva, tratando da “essência dos chakras” e sim prescritiva. Ela diz respeito à prática de nyasa em que os elementos são, por assim dizer, inseridos nos chakras por meios de mantras e visualizações, e esse é o arranjo mais famoso, porém nada impede que se utilizem outros que poderiam ser mais eficazes. Christopher Wallis comenta isto num texto sobre o assunto. No mais, como dito, eu prefiro usar o esquema de chakras da Cura Prânica, que trabalha não com 7 mas 11 chakras principais (e mais uma infinidade de outros menores).

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