O Prêmio Nobel de Física de 1944, Isador Isaac Rabi (1898-1988) lembrava-se que, ao voltar da escola quando era criança, sua mãe lhe perguntava: “Você fez boas perguntas hoje?”. Os judeus não gostam somente de respostas; eles encorajam também a perguntar. O judaísmo acredita que a fé verdadeira não é imposta, mas resultado de questionamentos. A cegueira autoimposta não lhe permite ver. Assim sendo, os grandes gigantes da história judaica foram autores de obras de filosofia que ousaram desafiar premissas religiosas fundamentais e atingiram a convicção religiosa através de um grande esforço intelectual. O resultado disso foi um judaísmo por escolha, não por acaso.
Homens como Maimônides mostraram que ter fé não é suspender a razão, mas o contrário: é fazer com que a razão alcance suas maiores conclusões lógicas.
Quem foi Maimônides?
Um dito popular responde assim: “De Moisés a Moisés, não houve outro como Moisés”. Moshé ben Maimon, o Rambám (ou Maimônides, filho de Maimon) fez tantas coisas durante o seu tempo de vida (1135-1204) que é quase impossível acreditar que ele não era, em si mesmo, uma universidade como Harvard.
Maimônides viveu segundo a crença do Talmud de não obter sustento oriundo da religião; por isso atuou profissionalmente como médico do sultão do Egito em período integral. Ninguém entende como ele encontrou tempo, após oferecer tratamento médico a todas as pessoas importantes do palácio, para escrever as obras volumosas que ainda são o cerne do currículo de qualquer pretendente a erudito em judaísmo.
Maimônides tinha ao seu alcance todo o vasto corpo da lei judaica e dos costumes daqueles que o precederam. Todavia, não se contentou em ser mestre do Talmud e da Bíblia; ele conhecia intimamente os escritos de Platão e Aristóteles, bem como as obras dos maiores pensadores de outras culturas. Ao combinar sua riqueza de conhecimentos judaicos e seculares, Maimônides criou uma obra-prima da filosofia judaica: o Guia dos Perplexos.
Com esta obra, ele não só atingiu seu objetivo de guiar aqueles religiosamente perplexos para fora de suas perturbações e dúvidas, como também demonstrou de uma vez por todas que o judaísmo não teme o questionamento filosófico e que a fé com convicção não é a primeira opção dos tímidos, mas o objetivo final dos arrojados e intelectualmente ousados.
Guia dos Perplexos Obra completa Autor: Maimônides Editora Sêfer Páginas: 536
O Guia dos Perplexos é a obra-prima filosófica daquele que é considerado um dos maiores sábios judeus de todos os tempos: o Rabi Moshe ben Maimon – o Rambam, também conhecido como Maimônides. Escrito há mais de 800 anos e contendo 178 capítulos divididos em 3 partes, está sendo publicado na íntegra somente agora em português, com base nas mais respeitadas fontes históricas, religiosas e acadêmicas, em linguagem acessível e criteriosamente anotado
Os Treze Princípios
Devemos a Maimônides o resumo mais conciso das convicções básicas do judaísmo. Esta lista tornou-se uma das orações mais famosas da liturgia judaica nas sinagogas: o Igdál. Sua força deriva tanto do fato de conter, de forma brilhante, as ideias judaicas mais importantes, quanto por seu autor ter sido um questionador bastante arrojado, cujos Treze Princípios de Fé representam as respostas criadas provavelmente por uma das mentes mais brilhantes de todos os tempos. Nenhum livro sobre judaísmo está completo sem incluir os Treze Princípios de Fé:
Eu creio com plena convicção que o Criador, bendito seja o Seu Nome, Ele só, fez as criaturas e as dirige e Ele só, fez, faz e fará todas as obras.
Eu creio com plena convicção que o Criador, bendito seja o Seu Nome, Ele é o único e não há Unicidade como a Dele, de nenhuma maneira. E só Ele é nosso Deus; Ele existiu, existe e existirá para sempre.
Eu creio com plena convicção que o Criador, bendito seja o Seu Nome, não é corpo e não pode se assemelhar à matéria. E Ele não tem nenhuma comparação com qualquer coisa.
Eu creio com plena convicção que o Criador, bendito seja o Seu Nome, Ele é o primeiro e o último, sem fim.
Eu creio com plena convicção que o Criador, bendito seja o Seu Nome, a Ele só, se deve rezar e não a outro.
Eu creio com plena convicção que todas as palavras dos profetas são verdadeiras.
Eu creio com plena convicção que a profecia de Moisés, nosso mestre, de bendita memória, é verdadeira e que ele é o pai (mestre) de todos os profetas anteriores e posteriores a ele.
Eu creio com plena convicção que toda a Lei que se encontra em nossas mãos é a que foi dada a Moisés, nosso mestre, de bendita memória.
Eu creio com plena convicção que esta Lei não foi trocada, nem haverá outra Lei por parte do Criador, bendito seja o Seu Nome.
Eu creio com plena convicção que o Criador, bendito seja o Seu Nome, Ele conhece todas as obras dos homens e todos os seus pensamentos, pois assim foi dito: “O Criador de todos os corações conhece todas as suas obras”.
Eu creio com plena convicção que o Criador, bendito seja o Seu Nome, recompensa aos que guardam os Seus preceitos e pune os que os transgridem.
Eu creio com plena convicção na vinda do Messias, e apesar dele tardar em vir, contudo esperá-lo-ei em cada dia.
Eu creio com plena convicção que haverá a ressurreição dos mortos quando for do agrado do Criador, bendito seja o Seu Nome e exalçada a Sua lembrança para todo o sempre.
Aplicando as leis
Ideias são uma maravilha, mas de nada valem se não forem transformadas em ações. A filosofia só se torna judaísmo quando é acompanhada do cumprimento das mitsvót, os mandamentos da Torá. É por isso que boa parte da erudição, criatividade e comprometimento judaicos está direcionada a livros de direito – livros cujo propósito não é lhe dizer o que pensar mas ajudá-lo a saber o que fazer.
Os teólogos judeus chegaram a uma conclusão interessante a respeito do relacionamento entre o pensamento e a crença. Eles disseram: “O coração é movido pelas ações”. Não é muito difícil concluir que pensar leva a agir e vice-versa. O psicólogo clínico Paul Pearsall chegou à mesma conclusão que os rabinos de antigamente:
“Guiar-se pelas ações altera as emoções. Se você for amoroso, então sentirá amor. Primeiro, mude seu comportamento”. É por isso que o judaísmo enfatiza a ação; a convicção vem em seguida.
“A Mão Forte”
O grande filósofo Maimônides entendeu isso perfeitamente. Antes de escrever o Guia dos Perplexos, ele completou sua obra-prima em Lei Judaica, denominada Iád Hachazacá, “A Mão Forte”, para enfatizar que somente através da obediência à Lei e do cumprimento das mitsvót é que nossa obrigação com Deus estará plenamente atendida. Nossa “mão” nos faz judeus muito melhores do que nossas convicções. O Iád Hachazacá foi o primeiro código a organizar sistematicamente todas as leis dispersas pelo Talmud em um compêndio sobre Halachá (prática adequada) claro e acessível à leitura. Antes desta publicação, você tinha que ser um erudito ou perguntar a um deles para saber como cumprir a lei. Maimônides tornou possível a todo judeu – e judia – encontrar as respostas por conta própria. É por isso que sua primeira obra magistral, anterior ao seu opus magnum filosófico, também foi um guia dos perplexos – não quanto a convicções religiosas, mas quanto ao comportamento e à prática.
O que faz do judaísmo uma religião singular? O que os judeus encontram em sua crença que lhes dá sabedoria, conforto e plenitude espiritual? Este livro responde essas questões, trazendo o bê-a-bá do judaísmo e apresentando concisamente as principais obras do judaísmo – da Bíblia aos ensinamentos místicos da Cabalá-, a visão judaica sobre sexo, casamento, criação dos filhos, luto e muito mais.