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A construção do Templo de Salomão

A construção do Templo de Salomão

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Na imagem acima, Isaac é visto aqui levantando as mãos em oração, de frente para o local em que o Templo Sagrado está destinado a ser construído. De longe, podemos ver a caravana de camelos trazendo Eliezer e a futura esposa de Isaac, Rebeca. Ilustração extraída da obra O Templo Sagrado de Jerusalém, recém-publicada pela Editora Sêfer.

Salomão tem vinte e cinco anos ao herdar um Império. Alexandre tinha 23 quando derrotou os persas, Napoleão 26 quando salvou a República. Os dois conquistaram impérios, Salomão herdou um, nunca pegou em armas e ficou quarenta anos no poder. Certamente, proeza notável. Biblicamente, é o soberano sábio por excelência, procurando e estabelecendo paz e justiça.

Não faltam problemas de segurança externa, nem questões internas logo no início do reinado do jovem monarca. Antes de mais nada, ele precisa atentar para a estabilidade de sua própria situação. Adonias fornece-lhe o necessário pretexto para ser eliminado ao repetir o erro fatal de outros já antes dele, requisitando uma jovem do harém paterno. A imprudência lhe custa a vida.

O próximo é Joav. O velho guerreiro não tem a menor intenção de fugir ou de resistir. Dentro do santuário, plantado frente ao altar, aguarda os carrascos. Eles querem que ele saia. “Não, é aqui que vou morrer” (1.Reis 2:30b), responde. Ebiatar escapa com vida em deferência ao seu status sacerdotal. É banido para sua cidade natal, Anatot.

É exatamente com a palavra “Ebiatar” que termina o texto hebraico sobre a vida de Saul e de David em 1.Reis 2:35. Até parece uma assinatura do autor. Pela tradição, foi o próprio Samuel quem escreveu o livro que leva o seu nome, e o profeta Jeremias escreveu os livros de Reis. Todavia, há estudiosos que defendem a tese de que, em virtude da extraordinária riqueza de detalhes e informações sobre a época, quem os escreveu deve ter sido uma testemunha ocular de todos aqueles multicoloridos acontecimentos. De fato, são documentos de excepcional brilho na historiografia universal. Primam pela honestidade, não glorificam os protagonistas, não cobrem de silêncio seus atos ignóbeis, não transformam derrotas em vitórias; as pessoas não são retratadas nem como super-homens nem como semideuses. É História, não mitologia. Entre Ebiatar e Jeremias talvez exista uma síntese: exilado por Salomão para o vilarejo de Anatot, o sacerdote Ebiatar escreve suas memórias; três séculos depois, Jeremias, nascido em Anatot, filho de um sacerdote, de posse dos manuscritos – propriedade de sua família – editaria Samuel e Reis.

Salomão expande com extraordinária sagacidade comercial o império que David construiu manu militari. Sua força não vem de batalhas vitoriosas, mas de casamentos estratégicos, escolhendo suas esposas entre as princesas das casas reais vizinhas, notadamente a filha do faraó.
Logo de início, o novo soberano parte para uma radical reforma administrativa. Talvez no intuito de extinguir tradicionais fidelidades tribais – um instinto político correto – introduz uma nova divisão do país em doze distritos, geograficamente diferentes da atual divisão tribal. Cada uma das novas províncias é colocada sob um governador diretamente responsável perante a coroa. Elas contribuem num rodízio mensal para o custeio da corte, dos funcionários, soldados e sacerdotes. Medidas sábias todas elas, todavia, o sábio rei comete um erro fatal ao favorecer Judá no rateio das despesas, em detrimento das demais regiões (1.Reis 4:7-19), causa contribuinte de ruinosa futura dissidência.

Uma era de inimaginada prosperidade abre-se para o país pela engenhosa exploração da mineração. As famosas Minas do Rei Salomão produzem especialmente cobre, valioso minério que é trocado por especiarias, ouro, pedras preciosas e madeira a partir do porto de Ezion-Guéber no golfo de Ácaba (o atual Eilat), de onde o tráfego marítimo – de aliança com a Fenícia – se estende para além do Egito, até o Iêmen, África e Índia.
Além disso, surge um intenso comércio terrestre por meio de caravanas de camelos, o revolucionário meio de transporte habilmente organizado por Salomão. Elas percorrem as rotas comerciais entre o Egito e a Mesopotâmia, com entrepostos em Israel. E em aliança com “Hiram, o amigo de David”, rei de Tiro, navios fenícios e marujos israelitas cruzam o Mediterrâneo até a Sardenha e a Espanha.

Esse imenso trânsito econômico traz um inédito afluxo de riquezas e muda o ritmo de vida da comunidade, até então agrária e rústica. O aspecto de Jerusalém já não condiz com o novo status internacional e requer um embelezamento. Assim, Salomão manda construir um suntuoso palácio para si, outro para a filha do faraó e – o mais importante de tudo – um novo santuário.

David já tivera a intenção de construir um templo para abrigar o Tabernáculo de Moisés e a Arca Sagrada. Até uma planta já fora elaborada e donativos tinham começado a afluir ao Tesouro. Mas o projeto não fôra adiante porque Natan vetou a ideia, tendo Deus lhe falado que David era guerreiro demais para erguer sua Casa, tarefa que seria reservada para o monarca da paz, Salomão.

O local escolhido pelo rei para a construção do Templo é o monte Moriah, o lugar da Akedah de Isaac. As proporções do edifício não se comparam com as gigantescas construções assírias ou egípcias. Suas medidas, na realidade, são modestas: aproximadamente 40m de cumprimento, uns 12 de largura e 20 de altura. Mesmo assim, leva sete anos para ser terminado, com matérias-primas e assistência tecnológica de Hiram de Tiro, e ricamente decorado com grande variedade de obras de arte em ouro, madeira-de-lei e outras preciosidades.

O novo santuário implica na institucionalização da religião e na criação de um aparato sacerdotal até então desconhecido. Daqui em diante, os profissionais do culto – particularmente na figura do sumo sacerdote – desempenharão um papel de destaque na vida da nação.
Para a inauguração do Templo, a Arca Sagrada é cerimoniosamente introduzida no seu novo lugar de repouso e esta é, incompreensivelmente, a última vez que se menciona esse mais antigo objeto de culto em todos os livros históricos! A solenidade atrai uma entusiástica multidão e acontece sob uma magnífica oração de Salomão acompanhada, bem ao estilo da época, do sacrifício de enormes quantidades de bois e ovelhas, a título de Homenagem a Javé, Pedido de Paz e Remissão de Pecados.

Bem que, futuramente, esses sacrifícios e a decadência de importantes segmentos do sacerdócio vão ensejar os veementes protestos dos profetas. Mas nem tudo do culto no Templo de Salomão imita as nações; muito é absolutamente original e propriamente israelita: uma liturgia de elevado nível espiritual-religioso, parcialmente da autoria do próprio monarca; magnífica música instrumental e coral; absoluta rejeição da prostituição cultual – quase que invariavelmente embutida nos costumes religiosos dos outros países; e a ímpar ausência de imagens para fins de adoração – os famosos querubins dourados só têm propósitos decorativos. Contudo, o mero fato de sua existência faz ver, gozando do privilégio da retrospectiva, o quanto tudo isso estava destinado a mudar – nada de semelhante aconteceria no Segundo Templo, absolutamente sem lugar para a serpente mosaica ou os querubins de ouro.

O magnetismo do Templo não exclui cultos no resto do país. Nos “lugares altos” – em cima de uma pedra em qualquer lugar mais elevado –, sacerdotes oferecem sacrifícios e preces. Talvez o Templo nunca tenha ocupado, à sua época, o mesmo lugar de preeminência e reverência que a saudade e a recordação lhe reservariam na retrovisão do povo. Mesmo com essa ressalva, não deve haver dúvida de que a construção do Templo contribuiu para um importante movimento de aglutinação nacional, religiosa e intelectual.

Dentro do longo período de paz e prosperidade do reinado de Salomão, surgiram as condições propícias para a sedimentação de velhas tradições culturais e religiosas e a criação de novas. Lei, salmos, provérbios e registros históricos começam a ser compilados e levados ao povo por centenas de levitas espalhados pelo país, incumbidos de ensinar, educar e alfabetizar.

À medida em que cresce a importância cultural da época de Salomão, multiplicam-se, ao fim do seu reinado, sintomas de sérios problemas sociais e perigosas tendências políticas internas. Salomão arregimentara para suas obras 30.000 trabalhadores, nada menos que um terço dos quais teriam que servir em Tiro – parte do pagamento a Hiram pelas matérias-primas fornecidas e pela mão de obra de arquitetos e artesãos. Para inteirar a conta, Salomão cede-lhe vinte cidades da Galileia, cujo rendimento – o rei fenício reclama – ainda é pouco. O rei havia empenhado ao Egito a importante cidade de Guezer, mas o faraó acabou por devolvê-la como presente de casamento a sua filha. Além dos 30.000 trabalhadores, Salomão ainda emprega 70.000 “carregadores” e 80.000 “pedreiros”: é a corveia, o trabalho forçado.

A construção do Templo leva sete anos e a dos palácios reais, treze. Mesmo os enormes lucros comerciais não conseguem custear tamanho programa de obras públicas e mais a opulência da corte – 700 esposas e mais 300 concubinas. Para muitas, em sua velhice, o rei construía templos, e ele mesmo não hesitou em participar dos cultos idólatras. Também, não se tem notícia da presença, na corte de Salomão, de alguma figura do calibre carismático de Samuel, Natan ou Elias, e permanece ignorado se, confrontado, Salomão teria mostrado humildade igual à de Saul, David ou Ahab.

O descontentamento cresce. As riquezas que entram no país e os lucros obtidos pela execução das obras públicas resultam em vantagem apenas para alguns poucos grandes mercadores, empreiteiros e detentores dos monopólios reais da mineração e da navegação. A proteção que a legislação israelita estende ao servo restringe sua rentabilidade. A busca de mão de obra no campo leva ao surgimento de diaristas urbanos descontentes, trabalhando em serviços sem afinidade. Eles transformam-se num proletariado cujo sofrimento estimulará a pregação protosocialista dos profetas. Em pouco tempo, o aguerrido e austero Javé do deserto transformar-se-á no Deus que cobra a justiça social para os oprimidos.

Mas a cena ainda não está posta para os profetas, e os sentimentos de revolta encontram seu porta-voz em Jeroboam, o “superintendente de todos os trabalhadores da casa de José” (1.Reis 11:28), isto é, o encarregado da corveia. Não se sabe exatamente o que fez ou a que veio. Provavelmente, além das queixas dos trabalhadores explorados, assumiu também a causa de outros segmentos insatisfeitos: por exemplo, os que se opunham ao politicamente errado sistema tributário privilegiando Judá no rodízio das despesas reais em detrimento das demais tribos; ou ainda, os levitas e sacerdotes desempregados em função da maior concentração cultual em Jerusalém; bem como os anciãos privados de sua autoridade desde o surgimento da monarquia central.
De qualquer forma, a vida de Jeroboam como subversivo corre perigo e ele se exila no Egito, acolhido como asilado político na corte de Shishac, faraó de uma nova dinastia, inimigo de Salomão. Por enquanto, a tentativa de sublevação fica sem repercussão. Mas, também externamente há nuvens negras no horizonte imediato. Hadad, rei de Edom, igualmente exilado no Egito, volta com a bênção do faraó para reclamar o retorno do seu reino, e um aventureiro de resto desconhecido torna-se líder dos arameus que, sob sua chefia, restabelecem o reino independente de Damasco. É um fim melancólico. Israel está exausto. Do Império de David só resta o Templo de Salomão.

Para o herdeiro Reoboam, a sucessão parece tranquila. Ele vai a Siquém, onde o aguardam os representantes de “Todo o Israel”. Não, como constata com surpresa, para simplesmente aclamá-lo, mas para exigir reformas: “Alivia a servidão e o jugo pesado que teu pai nos impos e nós te serviremos”. (1.Reis 12:4)
No curso da história bíblica, dos Juízes ao Exílio, encontram-se várias instituições nacionais desempenhando papéis relevantes: os “Anciãos”, “Israel”, o “Povo de Israel”, a “Congregação de Israel”, ou meramente “O Povo”. São instituições de composição e autoridade distintas mas política e socialmente sempre presentes. No caso, “Todo o Israel” parece que compreendia, além dos anciãos, os notáveis tribais e os chefes civis responsáveis pelo recrutamento do exército do povo, milícia independente dos mercenários reais. É um grêmio abrangente já que bastante amplo e, em termos atuais, poderia se dizer representativo da sociedade. Sem participar diretamente no governo, na administração ou nos negócios públicos, estas instituições, isoladas ou em conjunto, reclamam o privilégio de referendar a coroação do rei. Assim, quer sob essa denominação ou outra, o povo ocasionalmente entra em conflito com dinastas ou usurpadores.

Só que estes representantes do povo, reunidos para confirmar Reoboam, foram buscar o rebelde exilado, Jeroboam, para falar em nome deles. Ainda não é uma rebelião política; a esta altura não há confronto com a dinastia de David: trata-se de uma reclamação social, e o que o povo quer é nada mais nada menos que melhorar suas condições de vida.

Durante três dias, Reoboam fica reunido com seus conselheiros, analisando as reivindicações. Os ministros antigos, que tinham servido sob Salomão, “os velhos”, acham que “se hoje fores amável e cederes, eles serão teus servos”. A ala jovem, os cortesãos, “os que tinham crescido com Reoboam”, acostumados aos métodos de um governo central autoritário, creem que ele deve bater forte e dizer: “Se meu pai vos impos um jugo pesado, eu o farei mais pesado ainda. Se ele usou açoites, eu vos castigarei com escorpiões!”. (1.Reis 12) E é o que Reoboam diz aos representantes do povo. Napoleão diria: pior do que um crime, um erro.
O insultuoso pronunciamento da linha dura leva os delegados nortistas a abandonar a assembleia sob protesto, dizendo a Reoboam para “tratar da sua casa que eles iam cuidar da deles”. O imaturo jovem agrava ainda mais a situação ao enviar para negociar com os desafetos ninguém outro senão Adoniram, o atual superintendente da corveia, provavelmente a pessoa menos indicada para tal missão. Sem nenhuma chance, o mestre de obras é apedrejado pelos revoltados, consumando o rompimento definitivo.

A inexperiência combinada com a arrogância do jovem príncipe destrói assim, irremediavelmente, a obra de Saul, David e Salomão, monarcas que, durante um século, tinham reinado sobre uma nação unida. Agora, inconformados, Norte e Sul aclamam, uns, Jeroboam, rei de Israel, enquanto outros confirmam Reoboam, rei de Judá.

 

CRONOLOGIA
antes da era comum

1800/1600 Era dos Patriarcas
1728/1686 Hamurabi, rei da Babilônia
1720/1570 Domínio dos hicsos sobre o Egitoz
1472/1376 Amenófis III
1400/1350 Correspondência de Tel el Amarna
1370/1353 Amenófis IV. Ecnaton
1309/1290 Seti I
1290/1225 Ramsés II
c. 1250 Êxodo
1224/1216 Mernefta
c. 1200 Josué – Conquista de Canaã
1187 Ocupação do litoral de Canaã pelos filisteus
c. 1125 Deborahc. 1100 Guideon
1022/1004 Saul rei de Israel e Judá
1004/998 David rei de Judá; Ishboshet rei de Israel
998/965 David rei de Judá e Israel
1004 David conquista Jerusalém
965/928 Salomão


Uma história do povo judeu
Extraído de Uma História do Povo Judeus, volume 1, capítulo 17,de Hans Borger, Editora Sêfer.

Apresentação esmerada da história do povo judeu, desde o patriarca Abraão até a expulsão dos judeus da Espanha (volume 1), e desde os guetos da Polônia e da Rússia à chegada do nazismo e o despertar do nacionalismo judaico com o início da restauração da antiga pátria em Israel (volume 2), utilizando rica iconografia, mapas, tabelas e linhas cronológicas, que facilitam a compreensão do leitor.

 

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